Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Sol nasce para Todos

Família Tagliassachi, em 1927 na casa da rua Marechal Deodoro

“Éramos treze”, ela poderia dizer. Um número de azar, para os supersticiosos. Mas a saga do casal de operários que chegou a São Roque por volta de 1895, proveniente da longínqua Castelnuovo di Garfagnana, localizada na província de Lucca,  desmente a superstição.
Eles vieram para trabalhar na tecelagem Enrico Dell’Acqua e Cia e deram origem a uma das mais prósperas, bem estruturadas e relacionadas famílias da cidade. 

No bojo de seu trabalho, cresceram o comércio, a indústria, e a construção civil na área central de São Roque, no início do século 20. Muitas pessoas foram empregadas nessas atividades. Dez dos onze filhos desse casal uniram-se em matrimônio a italianos ou descendentes, aumentando a colônia italiana na cidade.
Quem nos relatou essa história do casal que, literalmente, Fez a América, na primeira metade do século 20, foi sua filha mais nova, Elvira Tagliassachi, dona Elvirinha, única testemunha viva, dentre os filhos, da jornada de seus pais, quando entrevistada em 2008.

De LUCCA

O casal Francisco Tagliassachi e Amélia Bertollini Tagliassachi desembarcou no porto de Santos, a família acredita, em 1895. A data correta é ignorada, os documentos já não existem, mas dona Elvirinha lembra-se de ouvir a mãe, que nasceu em 1875, dizer que completara 20 anos ao chegar no Brasil.
Jovens ainda, eles saíram da pequena Castelnuovo di Garfagnana, que não tinha status de cidade, era na verdade um paese, pequeno centro auto-suficiente, porém, isolado dos grandes centros, na província italiana de Lucca, região Toscana.

Amélia morava nessa pequena localidade, ao final do século 19, com seus pais e mais cinco irmãos, num prédio de dois andares, onde já havia água encanada. Em cada andar, um apartamento; num deles morava a família, o outro era alugado. E no térreo havia uma cantina, com mesas ao ar livre, onde, à noitinha, reuniam-se amigos para comer, saborear o vinho e, é claro, cantar. A pequena localidade possuía um teatro, de propriedade de seus tios.
Foi nessa cidade que Amélia e Francisco nasceram, cresceram, namoraram e se casaram. E foi também de onde partiram para viver definitivamente no Brasil, em São Roque.

O PEDREIRO E A TECELÃ

Do porto de Santos, o casal foi levado a São Paulo. Hospedaram-se na casa de um primo de Francisco que residia no Brasil.
Já haviam acertado seu trabalho como operários da tecelagem Enrico Dell’Acqua, recém-inaugurada em São Roque. Amélia trabalharia nos teares, como operária tecelã. Desse tempo, ela comentava com os filhos que “entrava no trabalho com a luz acesa e saía também com a luz acesa”, referindo-se à jornada de doze horas, das seis da manhã às seis da tarde. Amélia era uma, entre os cerca de 400 operários da tecelagem, no final do século 19.

Francisco trouxera consigo da Itália a habilidade de pedreiro e isso lhe valeria, na fábrica de tecidos em expansão, um trabalho na construção dos novos prédios.

Da vida dura que o casal enfrentou ao chegar em São Roque, Elvirinha recorda-se de ter ouvido a mãe contar que viviam numa pequena casinha de três cômodos na Praça da República. Ao fundo, corria o rio Carambeí. A água limpa, a ser usada pelo casal, deveria ser colhida em potes, às quatro horas da manhã, pois mais tarde, o esgoto era despejado no rio. A cama do casal era uma porta coberta por um improvisado colchão, feito de saco de estopa e recheado com palha.

Amélia e Francisco Tagliassachi (álbum da família)

O ARMAZÉM E A PENSÃO

O senso de oportunidade fez com que Francisco Tagliassachi almejasse algo mais para si mesmo e sua esposa do que o trabalho como operários na tecelagem. Com a nova indústria de tecidos, a cidade teve sua população praticamente triplicada, no início do século 20. Assim, a necessidade de casas comerciais, pequenas indústrias, casas para aluguel, abria um leque empresarial promissor.

Francisco montou, então, no bairro do Taboão, um armazém que vendia de tudo, de alimentos, secos e molhados, a roupas, utensílios para casa e cozinha, além de todo tipo de ferramentas.

Em pouco tempo, levou o armazém para a Travessa da Caixa D’água, ao lado da funilaria de Aristide Barioni, na região central da cidade. Em local próximo, na esquina das atuais ruas Pedro Conti e Marechal Deodoro, instalaria também uma pensão, administrada por sua mulher, Amélia, que servia refeições à italiana para brasileiros e oriundi.

A VOLTA À ITÁLIA

Em dez anos, o casal progredira a olhos vistos. Francisco adquirira uma propriedade próxima à atual rua São Paulo, uma chácara, e construíra pequenas casas ao lado. Quando resolveram voltar para a Itália, a passeio, vendendo parte dos imóveis, já haviam nascido sete dos onze filhos que o casal teria. Lívio, o mais velho (que seria prefeito de São Roque, eleito em 1955), Estevão (Dino), Carlos Alberto (Vitório), Remo (prefeito da cidade durante o período pós-revolução de 1930), Angelina, Emília e Olga. 

Retornaram ao Brasil dois anos depois, com uma nova filhinha, Marina, que seria, mais tarde, a esposa de Dario Cereda, o capo sala italiano da tecelagem Brasital. De volta ao Brasil, nasceriam outras três filhas do casal Francisco e Amélia: Zola, Diamantina, a “dona Diamante”, que brilhou como seu nome mais de noventa anos em São Roque; e dona Elvirinha, a caçula, nossa lúcida narradora.

FAZENDO A AMÉRICA

Se o casal já prosperara, em poucos anos no Brasil, ao voltar da Itália, faria fortuna, com uma diversidade notável de negócios que dariam emprego a brasileiros e italianos e do qual participariam também, seus filhos, que depois se tornariam representantes da cervejaria Brahma na cidade e proprietários de uma indústria de cerâmica.

Ao voltar ao Brasil, Francisco montaria uma padaria e se mudaria com a família para uma casa na rua Marechal Deodoro, em frente ao Grupo Escolar “Dr. Bernardino de Campos”.
Mantivera o armazém e depois viriam outros empreendimentos como um açougue, uma fábrica de malhas, uma indústria de meias, a fábrica de macarrão, a torrefação de café e uma olaria, que produzia telhas e tijolos.

A FORÇA DOS ORIUNDI

A historiadora Andréa Santos Pessanha afirma que a imigração européia no Brasil foi algo estrategicamente planejado por figuras ilustres da Corte brasileira, como forma de preparar o Brasil para o trabalho livre e aprimoraar os nacionais. Essas cabeças pensantes da época, entre eles Visconde de Taunay, acreditavam que o Brasil deveria ser povoado por europeus, raças mais ativas e inteligentes e não por negros ou orientais, raças submissas.  A idéia hoje nos soa absurda e preconceituosa.

O que faz com que um imigrante que dormia sobre uma tábua e pegava água do rio em potes, antes que o esgoto fosse despejado, torne-se um dos maiores empresários da cidade? Se a teoria das raças é certa, cabe aos cientistas decidir, mas é inegável que aí imperou uma grande força de vontade, determinação e fé numa nova vida.
Assim, a família Tagliassachi cresceu e, com ela, a colônia italiana de São Roque. Os filhos estudaram na primeira escola italiana particular instalada na cidade e, mais tarde, uniram-se em casamento a outros italianos ou descendentes das famílias Bellini, Marigliani, Santini, Sasso, Gavazzi, Scuoteguazza, Francheschi e Cereda, contribuindo para fazer de São Roque “uma grande família”... italiana!

Genealogia dos Tagliassachi - cortesia: Remo Tagliassachi Neto

A esperança que o casal Amélia e Francisco trouxe da pequena Castelnuovo di Garfagnana pode ter sido a chave para sua prosperidade, mas a filosofia de vida de Francisco Tagliassachi, belo e obstinado jovem de longos bigodes, como era moda na época, foi estampada na placa onde gravou o nome de sua padaria: “O Sol Nasce para Todos”.


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