Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

BICE SCIAMANNA Memória




Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, centenas de famílias de italianos deixaram seu país em busca de melhores condições de vida. Muitas delas chegaram ao Estado de São Paulo. E boa parte buscou um local para viver, fora das fazendas de lavoura do café, nas indústrias, como aquelas que chegaram à São Roque, uma das mais italianas cidades paulistas. 

A família Sciamanna é uma delas que, após deixar a lavoura e trabalhar em indústria, em outras localidades, conseguiu adquirir sua casa própria no Jardim Renê, o bairro italiano de São Roque. As filhas menores, Beatrice e Rita, trabalharam na Brasital S.A., uma indústria de tecidos que nessa época chegou a empregar 3 mil operários. Em sua origem, essa tecelagem, a segunda a se instalar no Brasil, de propriedade de Enrico Dell'Acqua, industrial milanês, empregou imigrantes italianos, como forma de cobrir a falta de mão de obra de brasileiros para a indústria e as necessidades da imigração italiana para o Brasil, no final do século 19.

O vídeo acima mostra parte das memórias de Beatrice ou Bice Sciamanna sobre a ida da família para São Roque. A história completa de Bice pode ser lida neste blog, no texto Um Baú, Uma Sanfona, Uma História Italiana, no link:

http://andiamomemoriaitalianaemsr.blogspot.com.br/2011/07/um-bau-uma-sanfona-uma-historia.html 
 

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quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Região afetada por terremoto na Itália remete às origens de italianos em São Roque



Região da Província de Ascoli Piceno, Marche, Italia, afetada pelo terremoto de agosto/2016. Imagem: ilcorsivocorsaro


                              

Na manhã deste 24 de agosto, quarta-feira, anunciada com um lindo sol e um céu azul de inverno, sob temperatura que se parece com o clima europeu, assim como as montanhas que rodeiam o Vale do Carambeí, a cidade de São Roque despertou com a triste notícia de que um terremoto atingiu a Itália, afetando também a região do Marche. Da província de Ascoli Piceno, nesse região, originam-se diversas famílias de imigrantes italianos que escolheram a cidade brasileira para viver, fazendo de São Roque uma das cidades mais italianas do Estado de São Paulo.


Estou ao telefone com Bice – Beatrice Sciamana – professora de italiano na Associação Ítalo-Brasileira de São Roque, e sou eu a comunicar a notícia do maior terremoto dos últimos seis anos na Itália. Seu primeiro pensamento volta-se para os familiares que vivem em Ascoli Piceno, e cujo fuso horário coloca-os quatro horas à frente daquela que marca nossos relógios. Bice concorda em me dar uma entrevista sobre sua vivência nas cidades atingidas pelo terremoto e as impressões de sua família na Itália de hoje, mas só está disponível na sexta-feira, como se uma catástrofe natural não pudesse mudar a paisagem e a vida de uma cidade com apenas 700 habitantes, em menos de três minutos.


Da Cidade das Torres


Ao contar-lhe sobre as cidades afetadas pelo terremoto, localizadas no centro da Itália, ela me direciona:

- Amatrice (a cidade mais penalizada) fica próxima a Ascoli, não longe de Roma. – e já procuro o mapa para me auxiliar.

Diante de sua preocupação em ter notícias dos familiares, desligamos o telefone.

Bice, que há anos vive no Jardim Renê em São Roque, nasceu na bela Ascoli Piceno, conhecida como Cidade das Torres, por suas 300 torres que, originalmente, quanto mais altas, maior era a riqueza de seus proprietários. De lá também vieram as famílias Nobilioni e Mariucci.


A família Sciamana chegou ao Brasil, deixando a Itália do pós 2ª. Guerra, em 1952. Sua história pode ser conhecida através do blog Andiamo... com o título Um Baú, Uma Sanfona, Uma História Italiana.

 
Bice Sciamana e sua irmã, com o baú e a sanfona que a família trouxe da Itália em 1952. Foto: Sílvia Mello (Nov/2008)


Sons de queda na madrugada


Por ter sido a portadora da preocupante notícia sobre o terremoto, ligo novamente para Bice, a fim de saber como estão seus familiares na Itália. O telefone toca uma, duas vezes, com o característico som como resposta: ocupado. Isso dura alguns longos minutos. Dou uma volta pela sala, acompanho novamente as notícias sobre o terremoto. Os minutos tornam-se mais longos. Pondo fim à ansiedade, tenho notícias vindas de Enrica, a sobrinha de Bice, que vive em Ascoli Piceno.


- Todos estão bem! – tranqüiliza-se Bice. Durante a madrugada sentiram ecos dos abalos mais fortes provenientes do terremoto, e os sons de objetos caindo dentro dos armários. Mas nada os afetou, nem às suas casas.


Estamos em São Roque, do outro lado do oceano. Enrica, na Itália – de onde Bice partiu para o Brasil, viajando no navio Augustus, para chegar ao Porto de Santos somente treze dias depois – tranqüiliza parentes e amigos, pela rede social fb.


Catastrofe Italiana, em O Sãoroquense


Se voltarmos no tempo, onde a internet poderia apenas ser sonhada pelos mais loucos, encontramos o jornal O Sãoroquense, um tablóide de quatro páginas, impresso em tipografia, com textos compostos a partir de linotipos. 


Em 24 de janeiro de 1909, esse jornal abre sua edição com uma crônica de A. Martino, intitulada A Catástrofe Italiana, em alusão ao terremoto de Messina, que atingiu a Sicilia e a Calabria, em 28 de dezembro de 1908, às 5h20min. É de manhãzinha que os sinistros surpreendem a Itália! Aquela foi uma das maiores catástrofes naturais do século 20. Em apenas 37 segundos, o terremoto penalizou metade da população de Messina, na Sicília, e um terço da população de Reggio, na Calabria.


Os imigrantes italianos que então viviam em São Roque, conta a História estampada no jornal, ao lado dos cidadãos da cidade, foram solidários às vítimas do terremoto. No mesmo dia em que a edição de O Sãoroquense era distribuída, o jornal noticiava, com o título Theatro, a realização de uma peça teatral pela Sociedade Dramática Carlos Goldoni, em benefício das vítimas da Calábria e Sicilia. 




Na mesma edição, o valor de uma arrecadação de 1:500$000 (um conto e quinhentos mil réis!!!), feita por subscrição, a assinatura de um lista de doações, é comunicada num nota na página três, com o título Pro-Calabria.

Como no terremoto de hoje, a consternação com o grande número de vítimas sempre esteve presente entre são-roquenses e italianos, com relação aos acontecimentos envolvendo a Itália, no inicio do século 20 e esses momentos foram registrados nas páginas de O Sãoroquense.

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terça-feira, 19 de julho de 2016

As Delícias de Nona Nunziata


Há algum tempo, tive esta conversa saborosa com a imigrante italiana Nunziata Rana, hoje com seus 80 anos, que nasceu na cidade de Bitritto, província de Bari, na região da Puglia, e radicou-se em São Roque desde os anos 1950, onde se casou com Gabrielle Vecchioli, também imigrante italiano. Mas esta é outra história. O tema da entrevista foi gastronomia tradicional italiana e seus enlaces com a cultura brasileira. Ela fala sobre a produção de alimentos, a tradição que trouxe da Itália e que, muitos anos depois, fez nascer a empresa familiar Nonna Nunziata, que produz conservas, doces e biscoitos, aliando as receitas e o modo de fazer da cultura italiana tradicional, sem uso de conservantes, aos modernos equipamentos hoje disponíveis. E conta primeiro como foi o seu aprendizado na Itália com sua família, a iniciação nas delícias dessa gastronomia que, pouco a pouco, torna-se parte do patrimônio imaterial da cidade de São Roque.


Eu, criança, observava minha mãe, nós fazíamos o tomate seco, que lá na Itália a gente tinha que aproveitar tudo no verão, pra poder guardar pro inverno, pra fazer o estoque, que no inverno você não encontrava nada. Então, nós fazíamos, na época do verão, secar tomate no sol, a gente colocava numas esteiras, punha no terraço em cima da casa, que vem (o sol) de todos os lados, né? 
                 
E tinha que secar com uns tules em cima pras moscas não pousar... E de vez em quando, cada duas horas, a gente tem que virar o tomate pra secar de um lado e do outro. E depois que secava, a gente colocava o tempero, alho, pimenta, sal, um pouquinho de vinagre, e aí colocava numa vasilha de barro, e a gente encobria de óleo, colocava uma folha de papel manteiga, amarrava e deixava porque lá depois logo começa o frio, então não precisava nem pasteurizar nem nada, era só pra aqueles seis meses de frio... E a gente usava durante o inverno, que não tinha tomate, então quando queria fazer alguma coisa com o tomate, a gente pegava tomate seco e usava. 

E nós fazíamos também a massa de tomate, o molho, fazia o extrato de tomate, a gente comprava tomate, cozinhava, depois passava na peneira e fervia com sal e um pouco de óleo e depois colocava nas vasilhas de barro e punha no sol também. Ia de vez em quando secando, tirando, mexendo com a colher, até ela ficar uma consistência de extrato de tomate e também fazia o mesmo processo, colocava numa vasilha de barro, cobria de óleo em cima e quando precisava fazer o molho pegava umas colheradas daquele e a gente colocava no molho. 

E tinha o molho de garrafa que nós fazíamos, tipo garrafa de cerveja, garrafa de champagne, tinha que ser aquelas garrafas grossas. E a gente usava fazer o molho, a massa de tomate, passava na máquina e depois a gente colocava esse purê dentro da garrafa e punha rolha, amarrava e colocava no banho-maria pra cozinhar, ou no forno pra pasteurizar e ali depois deixava esfriar naturalmente e deixava pra usar o ano inteiro, aquele molho. E quando era o inverno a gente usava aquele.

Essa produção toda era mais por necessidade...

Tudo por necessidade porque a gente tinha que fazer tudo nessa época, nós fazíamos figo seco, fazia alcachofra em conserva, coisa que eu faço hoje e mantenho a mesma tradição que eu aprendi com a minha mãe. Tanto que nem na Itália, hoje, não é feito mais assim. Tudo sem conservante e eu continuo fazendo o mesmo processo que nós fazíamos na Itália.

Quanto tempo vocês levavam para secar o tomate?

Ah! Às vezes uma semana, dez dias, dependia da temperatura, do calor, tudo dependia do calor, e também tinha que recolher antes da entrada do sol, porque não podia tomar sereno. E lá dava pra você conseguir fazer o tomate seco no sol, porque o ar não tinha umidade. Aqui eu tentei, mas não consegui fazer, porque embolora, estraga; e lá não, lá conseguia fazer normalmente aquele tomate seco ao sol.

E agora como é feito? Qual é a mudança?

Agora, a única mudança é que não é no sol, é no desidratador, nós temos forno que desidrata o tomate, tira aquela água, e vai secando durante quase dois dias, vai secando no desidratador... É mais rápido (que na Itália), não é uma semana, dez dias, é dois dias só. A gente faz bastante. Porque lá, podia fazer quanto? 50 quilos, 60 quilos. Aqui a gente faz 120, em dois dias. 120 quilos de tomate, não que sai 120 quilos de tomate seco... (risadas). Diminui pra um terço e olha lá. O mesmo tempero, sem conservante, tudo o mesmo.

Conta um pouquinho da alcachofra, que é uma coisa aqui da cidade de São Roque, agricultura tradicional. Como é que a sua família preparava na Itália?

Nós fazíamos conserva, a mesma coisa, cozinhava, depois colocava nos vidros com óleo, e deixava assim, temperava e deixava com vidro fechado. É como eu falei, como lá é muito frio, a gente não precisava pasteurizar, conservava a mesma coisa, agora aqui tem que pasteurizar. 


Então já entra mais uma técnica?

É, mais uma técnica no preparo, porque aqui é muito calor, então a gente tem que pasteurizar, senão não dá pra conservar, estraga muito.

Qual era a temperatura na sua cidade na Itália, no seu tempo?

Na minha região, que não era muito frio, não é como na região do meu marido que a neve é constante. Ali tem ano que nem chaga a fazer muito frio, assim, muita neve. Faz o frio, mas não neve. Eu acredito que é uns cinco graus abaixo de zero. Até nessa temperatura tem chegado lá na minha região.

Bem mais frio que em São Roque hoje, como o tempo das geadas...

Era bem mais frio aqui em São Roque. Eu quando comecei a fazer... Porque eu fazia alcachofra aqui na minha casa, pra dar pros amigos, na época de alcachofra, da produção, eu fazia pra dar no Natal pros meus amigos... Mas eu fazia quanto? 10, 15, 20 vidros, o máximo, pra dar pros amigos, mas eu colocava na geladeira, porque eu não pasteurizava, então eu colocava na geladeira e quando chegava no Natal eu já... Todas as minhas amigas estavam esperando eu presentear elas com alcachofra. E aí, depois quando passou um tempo que as amigas foram acostumando com a alcachofra e aí, uma queria dar de presente pro médico, outra queria dar prum outro amigo que comentava da nossa alcachofra... Aí que elas começavam a pedir pra eu fazer pra vender, mas eu não tava preparada ainda pra isso, né? Aí, de tanto insistir, eu comecei a fazer e hoje... Depois que nós abrimos a firma aqui, a gente se propôs a fazer uma coisa maior. Como não tem geladeira, nós tivemos que pasteurizar pra manter o ano todo a alcachofra.

Então a senhora começou a fazer movida pelo interesse das pessoas...

Foi por esse motivo mesmo que eu falei pra você que eu presenteava minha amigas e elas queriam comprar porque eu dava, mas elas não tinham coragem de pedir mais, porque elas ficavam chateadas. Aí me procuraram pra eu fazer pra vender... Mas meu marido não deixava eu fazer pra vender, aí eu falei, vou fazer pras amigas... Comecei a fazer pras amigas, mas vinha a amiga da amiga e foi, foi aumentando na minha casa, foi assim chegando a um ponto que eu não tinha mais liberdade na minha casa, porque era toda hora gente pra vir comprar as coisas, né? Tomate seco, berinjela, a sardela, a alcachofra. E aí foi aumentando. Aí começou também, uma falava assim: “Você faz o crostole no Natal, por que você não faz também?” ou “Faz prá mim porque eu tou... Nunca mais eu comi depois que minha avó morreu.” Então eu comecei a fazer o crostole – um doce italiano que na Itália é feito no Natal e no Carnaval. Uns chamam de crostole, outros chamam de latugue, outros chamam de chiachere. Então, cada região dá um nome. Outros falam crustule, cruste. Quer dizer, cada um dá um nome.

Que doce é esse? Como se faz?

É esse doce italiano que eu faço que é amassado com anizete, licor de anizete, e aqui o nome dele é cueca virada, mas na minha região é crostole.
Então, vai ovos, manteiga, açúcar, farinha... É uma massa, abre depois corta, passa na máquina fininha, corta no meio, vira tipo uma gravata e aí eu rego com anizete e açúcar...

E a sardela, como é ? Também veio da Itália?

A sardela tem de várias regiões... tem a sardela romana, a nossa sardela, que é da minha região... Então, cada região faz de um jeito. Uns fazem com extrato de tomate, outro faz com pimentão, mas tudo vai aliche, né? Que é... filé de aliche. Tem uns que põem um de qualidade e tem outros que põem aquele mais barato, depende do gosto de cada um, né?

E no seu preparo, a senhora seguiu também a tradição da sua família?

Já. É aliche, pimentão e os temperos.
É igual, é.

Hoje a senhora tem também a produção de doces?

Temos, temos geleias de vários tipos, temos compota, figo, doce de abóbora, tem fruta da época, doce de pera, pêssego, dependendo da fruta que eu encontro na época eu faço. E tem também os biscoitos. Tem sequilho de leite condensado, tem de coco, tem de limão, tem biscoito de nata... Tem amareto, que é um doce especial da minha região, que é... Na Itália toda tem o amareto, mas o meu é do estilo da minha região, não é o amareto tradicional da Itália. A diferença é... um outro tipo que eu não sei como é que faz, o meu vai só amêndoa, açúcar e o ovo. Agora da outra região não sei se vai farinha, porque ele é mais macio, é mais escuro, é mais rachadinho. O meu não, o meu é diferente. E tem os biscoitos de nozes, tem os palitos de cebola, tem a palha italiana.

Isso tudo se fazia na Itália ou tem receita brasileira incorporada?

Aqui incorporei. Incorporei o sequilho de leite condensado, o de coco... Que é coisa daqui do Brasil... Agora o biscoito de limão é da minha região. A berinjela que eu faço também é da minha região, tudo da minha região. Tem o alho, aperitivo também, que eu faço que é da minha região.

E as frutas? Eu me lembro que a senhora mencionou antes que encontrou frutas (no Brasil) que não conhecia na Itália...

É. As frutas que eu não conhecia era abacaxi, manga, abacate, goiaba, jabuticaba, é... que mais que eu não conhecia? A banana... A banana eu conhecia, sim, na Itália, mas nunca experimentei, nunca tinha comido. Essas frutas tropicais, nunca...

Olha a fruta brasileira que eu não fazia lá (o doce)... A única que eu faço é a geleia de abacaxi que lá não tinha, mas de uva eu fazia, de amora... Nós temos amora lá e a gente faz, inclusive tem amora branca e amora vermelha. O damasco, nós tínhamos muito damasco lá na minha região. E o doce de abóbora que eu aprendi aqui, (que lá) não tinha... Mas é diferente, por exemplo, aqui põe o coco.

Mas lá tinha abóbora...

Tinha, a gente cozinhava pra assim pra comer, mas pra fazer doce... Na minha época lá na Itália não se fazia muito esses negócios de... O que era salgado era salgado, então... Nós aqui aprendemos a comer arroz doce... Aprendemos a comer doce de abóbora, coisa que nós não... É da cultura, é... Porque o que era pra ser salgado, era salgado, não fazia doce. E a gente tem muita mistura, porque como aqui tem muito povo estrangeiro de várias regiões, então as comidas foram modificando e as pessoas vão adaptando pra cada cultura e vão surgindo novos pratos, novas delícias, né?


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