Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

terça-feira, 14 de junho de 2011

EM BUSCA DAS ORIGENS

Verona, romântica cidade ao norte da Itália, capital de província no Veneto, belíssima em sua arquitetura, ostentando a famosa Arena, foi palco do amor de Romeu e Julieta e, como Veneza, é passagem obrigatória de turistas e casais em lua-de-mel. Com todos esses atributos, Verona estava no circuito das cidades a serem visitadas por Márcia Mello e Glauco de Paula Santos quando em sua viagem de núpcias pela Europa, em setembro de 1985. 

Bisneto de italianos, ele levara consigo duas fotos de família que lhe teriam sido entregues por Amélia, tia de sua mãe. Quando o casal chegou a Verona, Glauco sugeriu que, já que estavam próximos, fossem até uma pequena cidade chamada Marano di Valpolicella. Assim, deixando a bagagem no hotel, pegaram o ônibus que os levaria a essa comune, a cidadezinha de origem de seus bisavós maternos, Luisa Penna e Carlo Zancanaro.

Sem qualquer referência, nome ou endereço – pois a família Zancanaro partira da Itália em 1922 – o casal sacolejou no pequeno ônibus entre montanhas por duas horas. Já escurecia quando finalmente foram avisados pelo motorista que haviam chegado a Marano di Valpolicella, cidade que hoje tem pouco menos de três mil habitantes e é famosa pelo tipo de vinho tinto que leva seu nome, uma das delícias do Veneto.

SURPRESA

Com uma maletinha na mão, praticamente parados no meio do nada, aquele fim de mundo não era o que Glauco esperava e nem sequer sabia se ali haveria um hotel onde passar a noite. Mas como quem tem boca vai à Roma, a alternativa era pedir informações. Assim, dirigiram-se à única casa que mostrava suas luzes acesas, pois àquela hora deveria ser costume entre os moradores da pequena cidade sem atrativos noturnos, estar se preparando para dormir.

Glauco bateu à porta e foi recebido por uma mulher de meia idade, um pouco assustada com a inesperada visita noturna. Mal falando algumas palavras em italiano, o casal surpreendeu a mulher que logo fechou a porta em busca da ajuda de algum familiar. Ao vê-la de volta, tão assustada quanto antes, Glauco arriscou explicar-se:  

- Eu sou de Brasile.

 - Ah!, Brasile? – e a mulher já pedia para que esperassem mais um instante, quando ele adiantou-se:

- Não, um momento, eu, tenho uma foto aqui.

E colocou nas mãos da mulher as fotografias tiradas na mesma cidade italiana em que se encontravam, muitos anos antes, onde figuravam alguns membros da família Penna.
Mais assustada que antes, a mulher, ao ver as fotos, gritava em direção ao interior da casa:  
- Carlo, ma è tu, Carlo, è tu! - E pouco depois voltava com o marido.

Surpresa: coincidência ou obra do destino, sem qualquer orientação Glauco chegara à casa dos Penna, numa pequena cidade da Itália, reencontrando parte de suas origens, nessa passagem digna de histórias de ficção e isso me faz lembrar Gabriel Garcia Márquez, que em seus contos põe à prova a probabilidade dos fatos narrados frente à realidade.

NOITE FESTIVA

Na casa em que viveu sua bisavó, moradia antiga de muitos cômodos, que se conservava intacta, com sacada sobre a porta de entrada, muitas janelas de parapeito amarelo na fachada, ao redor de um relógio de sol, Glauco foi recebido com festa naquela noite.

A residência da família Penna, em Marano di Valpolicella

- Ah! Já pegaram, meteram um garrafão de vinho em cima da mesa, com aquele pão feito em casa e já começou, daí, tentar se entender, contar história e quem é quem, e eu estava ainda meio atordoado, conta Glauco.

Os parentes, primos em algum grau, em sua maioria, dando prova da hospitalidade italiana quando se trata de família, não deixaram que eles partissem naquela noite:  

- Arrancaram os filhos das camas, mandaram arrumar prá gente, ficamos lá, lembra Glauco.

Nas conversas falariam de tudo e obviamente, de futebol. Os primos eram torcedores fanáticos do Verona, time vencedor do campeonato italiano naquele ano.

PREFEITO

No dia seguinte, Giancarlo, da família Penna, o dono da casa, levaria Glauco para conhecer o restante dos parentes. Encontrou uma tia, irmã de sua bisavó, visitou a oficina mecânica e o posto de gasolina que os Penna possuíam próximo à casa. E, no caminho, ainda foi apresentado a um senhor, dos mais idosos da cidade, que havia conhecido seu bisavô e que recordou, entre contente e emocionado: 

- Carlo Zancanaro! Eh, Carlo Zancanaro! Mah é stato il sindico in questa città - afirmando que ele fora prefeito em Marano de Valpolicella.

Então, Glauco encontrou o outro lado da família, chegando depois à propriedade onde vivera seu bisavô, Carlo Zancanaro, e onde ele pode visualizar uma paisagem característica, muito parecida com a que conheceu em sua infância ao visitar o sítio dos bisavós no Brasil, com um morro próximo a uma pedreira, a plantação de uva, uma casa grande e uma capelinha.

ABAIXO MUSSOLINI

O que determinou a vinda de Carlo Zancanaro para o Brasil, em 1922, foi a escalada de Mussolini rumo ao poder na Itália. Contrário aos fascistas que então se defrontavam com os comunistas, Zancanaro foi preso e obrigado a tomar um litro de óleo de rícino. Ficando quase à beira da morte, ao ser solto, ele decide deixar a Itália, fugindo às perseguições do Duce. Num vapor, chega ao porto de Santos.

Luisa Penna com os filhos, 1921



Meses depois, viria sua esposa, Luísa, da família Penna, juntamente com os cinco filhos do casal, em idades entre nove e dois anos, Esther – a avó materna de Glauco – Umberto, Irma, Amélia e Orlando. Já no Brasil, em 1925, nasceria Maria, que ainda vive que também nos forneceu algumas informações sobre a família. 

Agricultor, Carlo Zancanaro viria trabalhar na Fazenda Setúbal, próxima a Sorocamirim, em São Roque. Posteriormente, adquiriria uma propriedade na Campininha. Anos mais tarde, a família se mudaria para Guarulhos, onde sua propriedade daria origem ao bairro Capelinha, cujo nome alude à capela que a família erigira próxima à sua casa.

No Brasil, Carlo Zancanaro pode se dedicar ao plantio da uva, como na Itália; ficou livre de Mussolini, não sofreu os horrores da Segunda Guerra Mundial e teve a sorte de não presenciar os anos que se seguiram ao golpe militar de 1964, pois morrera antes.

SABOR DA INFÂNCIA
 
Mas é Augusta, a neta de Luísa e Carlo Zancanaro – mãe de Glauco e filha de Esther – quem relembra os costumes de seus avós italianos. A capelinha, o morrinho, a plantação de uva, a casa grande rodeada por casas dos filhos já casados, onde se faziam as refeições noturnas, o entra e sai, o avô tocando sanfona, alguém no violão, as cantorias, as danças, a alegria. O afundar-se nos colchões de pena, cobertos por lençóis cheirando a malva. E, é claro, o fogão à lenha e as delícias da cozinha italiana, que ela conta com nostalgia:

- Ah! comida gostosa!... Eu lembro da minha nona fazendo macarrão, ela abria com rolo e ficava aquela coisa assim tão grande, ela tinha uma mesa redonda e ia abrindo, abrindo, cobria a mesa toda, parecia uma toalha amarela em cima da mesa. Depois deixava secar um pouquinho para dobrar e cortar o macarrão...E era o macarrão mais gostoso que eu comi até agora, nunca mais consegui comer outro igual... E também a polenta, a polenta era demais...Era feita assim: cedinho era colocada no fogo e ficava até a hora do almoço... aquela polenta lá, cozinhando, cozinhando, cozinhando...o fubá era mais grosso, não sei explicar...punha... acho que era só água, sal e fubá...mas era uma delícia...E agora a gente faz, faz, faz e não fica igual. Eu tenho até impressão que isso aí é sabor de infância...


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