Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

UMA NONA ESPECIAL




Esta é uma curiosa história, mais uma história da colônia italiana.
E como toda história que envolve italianos, esta tem passagens engraçadas, outras que emocionam; às vezes uma confusão, uma receita de prato delicioso e, como não poderia deixar de ser, uma nona. Não é assim que nos lembramos dos italianos? Pode também ser que não, para alguns, mas vamos a ela..
 

OS RABECHINI (OU REBECHINI?)

Não existe na Itália, hoje em dia, uma só pessoa com o sobrenome Rabechini. Difícil de acreditar, pois em São Roque, trata-se de uma conhecida família de origem italiana. 

Eles vieram da Itália em 1891. Pier Maria Rebechini e Catarina Bruni desembarcaram no Rio de Janeiro, com destino certo à cidade de Itu, estado de São Paulo, mas logo depois estabeleceram-se como comerciantes em São Roque. Marido e mulher, não se sabe ao certo se eram de fato, pois não há uma certidão de casamento. E ela não levava o sobrenome do marido cuja grafia, note-se acima, era REBECHINI com E, e não Rabechini, com A, como a família que se estabeleceu em São Roque.

Um provável erro ou, quem sabe, mudança proposital, transformou Pier Maria Rebechini em Pedro Rabechini. Esse mistério, os bisnetos do casal tentam resolver hoje. Não se sabe o nome da cidade de origem na Itália. Talvez Pier tenha vindo de Milão, como comentavam seus filhos, mas não há nada que comprove. E se, no Brasil, o nome dessa família é pouco comum, curioso é descobrir que, na Itália, o sobrenome Rebechini está presente em apenas 27 cidades.

OS BANFI

Três anos após a chegada dos Rebechini no Brasil, partia da Calábria, no navio da empresa  La Veloce, com embarque no Porto de Gênova, o casal Paschoal Banfi e Nicoleta Basile Banfi. Ela saíra do internato no colégio de freiras, anos antes, para se casar. O destino era o Brasil e traziam consigo a filha Joanna Banfi, de apenas 3 anos. O segundo bebê do casal nasceu e morreu no navio, durante a viagem. Mais tarde, teriam outros três filhos, entre eles, Maria, a protagonista da nossa história que não nasceu na Itália, mas, no dizer de seu neto, que nos fez esta narrativa, foi uma autêntica nona italiana. Nascera no Brasil, mais precisamente em São Roque, mas fora educada sob a cultura italiana.    

La Veloce, empresa italiana de navegação, século 19

Com apenas quinze anos, ela se casou, em 25 de janeiro de 1919, mas teve de mentir a idade, e se fez passar por uma jovem de 18 anos. O noivo? Ah, sim... Chamava-se Egydio. De que? Rabechini... Ecco, daquela família. Filho de Pier Rebechini e Catarina Bruni, e também nasceu no Brasil.

A NONA

E nossa história, que pula uns pedaços, norteada pelas memórias do neto, vai encontrar o casal Maria e Egydio Rabechini anos depois, quando já eram avós. E Maria não é mais Maria, mas a nona Marieta. Eles tiveram cinco filhos, Alice, Francisco, Roque, Libélia e Paschoal – e doze netos.

Como Egydio conservasse forte influência de seus pais italianos, queria a família sempre unida. Assim, construiu uma casa para cada filho, uma ao lado da outra e todas perto da sua, na rua João XXIII.

A MAGIA DO NATAL

O casal se completava, segundo o neto que nos relembra passagens da vida da nona

Em seu olhar, Egydio era a figura hierárquica, o respeito, a consideração, a veneração.

-"Sim, nono, pois, não, nono! O senhor manda, nono; a sua ordem não se discute, eu faço." A nona era a figura anárquica. Havia pelo nono, o respeito, e muito grande: o nono falou, tá falado, o nono mandou, já tá mandado. Ele era um homem alto, magro, tinha uns olhos muito azuis  Eram lindos os olhos dele. Agora, ele vivia na loja.
 
Sim, o avô vivia na loja; em casa, onde reinava a nona, ele parecia pedir licença para circular. E a loja do nono era a Casa Reinaldo, na Praça da Matriz, que vendia de tudo, de móveis a tecidos. E brinquedos... no Natal era uma verdadeira casa de Papai Noel. E havia um Papai Noel de verdade (Iracy Silveira), que encantava o neto, na verdade, um empregado da loja, muito magro, mas que se transformava no velho gorducho, às custas de almofadas e travesseiros e saía pela cidade distribuindo às crianças os presentes que os pais compravam na loja.

O neto mergulhava nesse mundo mágico e tudo era idéia do nono. Quieto, sério, educado, mas proporcionava às crianças a magia do Natal.

CANÇÕES ENTOADAS, HISTÓRIAS CONTADAS

A nona Marieta era a figura baixa, gordinha, briguenta, que falava alto, xingava os vizinhos, mas depois corria levar docinhos. Os netos chegavam e encontravam a casa aberta, esse era o costume, mas a maneira de receber era ríspida. 

- É só sentir cheiro de doce, vem comer na casa...parece que a mãe não faz...você quer mais um pouquinho?  Pega mais um pouquinho, aqui...a nona dá. E manda os filho prá cá, parece que não faz doce...Olha a colher, vai pegando aquela colher que aquela colher é melhor.  Era uma rispidez carregada de carinho pelos netos.

Sentada na porta da cozinha, ela descascava dentinhos de alho caipira, as réstias penduradas à espera da sua vez. E os netos pediam, queriam as histórias, que ela ia contando, descascando... e contando... Contando e às vezes também cantando. La Campagnola Bella e Vivere eram as canções preferidas. Os  - Viiiiivereeeee!!! às vezes espantavam os vizinhos.

Sobre as histórias, mais tarde o neto descobriu que eram parecidas com enredos de óperas italianas. Como ela as conhecia, ninguém explica, mal aprendera a ler e escrever. 

Ela adocicou um pouco essas histórias, por exemplo, ela contava da moça que o pai obrigou o filho a não se casar com ela porque era doente... Depois eu descobri que era a Traviata. Ou do soldado que preferia a escrava à princesa. Ele queria casar com a escrava, mas a princesa gostava dele... Mais tarde, percebi que era Aída, conta o neto.

NA COZINHA, A MÃO É SANTA

Quituteira, como toda italiana, que ela não era, mas parecia ser, nona Marieta, não dispensava o fogão à lenha, sobre o qual sempre havia um bule de café quentinho. Os molhos e temperos para as massas, sua especialidade, eram feitos ali. Sobre o fogão a gás, limpo e arrumadinho, havia sempre uma toalhinha de crochê e um vasinho de begônia. 

Mas o fogão à lenha reinava na cozinha, embora ficasse fora, era onde assava suas massas.
O neto se lembra do pão, delícia simples que levava poucos ingredientes.
Ela dizia que pão se faz com farinha, fermento, água, sal e paciência. Pois tinha de amassar, depois deixar a massa descansar, depois amassar e novamente, descansar, para crescer...
E amassar com as mãos, que na cozinha a mão é santa, profetizava nona Marieta, inventando e misturando ervas, lingüiça, ou presunto à massa do pão, que enrolava e depois assava.

Mas quem amassava o nhoc era o nono, que a nona não tinha força. E nhoc de batata; na massa ia manteiga, que margarina dá ranço, explicava a nona.

AROMAS LEMBRANÇAS

Entre as lembranças do neto, que emocionam, está aquela que os sentidos retiveram com a mesma intensidade de anos atrás: a dos aromas.

Eu lembro do quarto dela que tinha cheiro de lavanda, eu não sabia o que era, eu não sabia dar nome. Hoje sei que era lavanda. O banheiro tinha cheiro de sabonete, era um sabonete vermelho chamado Lifeboy, acho que não existe mais. A sala tinha cheiro de óleo de peroba... Mas, o gostoso era a cozinha, que tinha aquele cheiro de refogadinho de azeite, não de óleo, era azeite, alho e cebola, então aquele perfume...e manjericão, que ela usava muito o manjericão. 

E as recordações levam o neto às lágrimas quando conta que há pouco tempo viu uma plantinha na feira, reconheceu o formato da folha e descobriu que era malva, com o mesmo aroma marcante que a avó colocava entre os lençóis.

O NETO

Quem nos contou suas recordações sobre nona Marieta, foi seu neto José Roberto Miller, professor de História e assistente técnico pedagógico. A paixão pelas coisas da História e pela avó, com quem foi criado desde menino, quando perdeu o pai, leva-o a afirmar que essa convivência com a nona, descendente direta de italianos, lhe dá raiz.

Enquanto eu vejo que muita gente não entende o termo raiz, eu cresci já com esse conceito de raiz pronto e formado. Eu acho muito importante porque esse sentimento de raiz te finca no chão e te dá um solo, e te dá um alicerce muito forte, dá segurança. A segurança que você tem e que você leva para o resto da vida é imensa, afirma ele, que ainda guarda alguns objetos que pertenceram à avó e carregam um profundo valor afetivo.

Eles são um vaso, tipo solitário, de cristal, que nada mais é do que uma flor entrelaçada por uma cobra; um cisne de cerâmica, já quebrado e colado várias vezes e um menininho de gesso, com aspecto dos bonecos do início do século passado, de bundinha de fora, e nela uma aranha grudada, ambos ganhos em jogos nas barracas da Festa de Agosto de algum ano remoto.

Mas o mais importante é o Santo Antônio que veio da Itália, pertenceu à nona da nona, é de barro, estava todo coberto de fuligem, preto mesmo, mas, depois de restaurado, reapareceu com o menino Jesus em seu colo. Coisas do coração...



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