Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

domingo, 19 de junho de 2011

Uma lição italiana de vida - making of 1



Apenas ilustração

Eu havia publicado no jornal local, na semana anterior um texto que integraria o livro Andiamo... o qual terminei citando Boris Pasternak: A vida transborda de qualquer cálice. Sem dúvida, uma verdade que pude comprovar dias depois.

Preparei-me para minha primeira entrevista, para o projeto Andiamo... Memória da Imigração Italiana em São Roque, em maio de 2005. Como boa jornalista que sempre tento ser, mas nem sempre consigo, testei o gravador, desemperrei a pilha na câmera fotográfica (não era uma digital). Pensei nas perguntas que faria e lá fui para Maiylasky dirigindo-me à casa do Sr. Luiz Poloni, conhecido como Ângelo, que me foi apresentado pelo Edson Caparelli.

Entrevista previamente marcada com sua filha, eu estava tranqüila e minha preocupação era com a forma do meu trabalho, ansiosa pelas informações que poderia obter, pelos documentos ou fotos que a família poderia me fornecer. Mas o que encontrei foi muito mais que conteúdo, foi uma lição de vida.

O Sr. Poloni, 93 anos, debilitado pela idade e a doença, com dificuldades para se expressar verbalmente, estava na cama e eu pouco poderia ter entendido das respostas que me deu não fosse a atenção de sua filha. Mas a garra, a lucidez e a vontade de viver desse homem, expressas através de seus olhos de um intenso azul, muito me impressionaram.

Marcou-me não apenas sua história de jovem italiano de 20 anos, filho de uma família que, na Itália de Mussolini, quando os nazistas já se organizavam maciçamente na Alemanha, resolveu protegê-lo dos horrores da guerra e enviá-lo ao Brasil. Mas também o fato de ter acreditado nesta cidade, de ter visto em São Roque uma terra de oportunidades.

Deixara para trás sua família, os amigos, e estava numa terra estranha, sem nada entender da língua ou conhecer dos costumes. Recebido por parentes, jamais voltou a ver seus pais ou irmãos, nunca teve oportunidade de retornar à Itália. Isso poderia ter sido um drama.

Mas não para o determinado e alegre “Ângelo Poloni”, lavrador, que, apesar de ter cursado somente o 4º ano primário, conseguiu exercer uma valiosa profissão, mostrando o que de melhor sabia e que trouxera da Itália, no enxerto de uvas para a produção de vinho branco seco na indústria Cinzano.
Em São Roque comprou seu pedaço de terra e ao lado da mulher Maria Joanna, criou as filhas e celebrou a vida. A música, as reuniões com amigos para cantar e desfrutar das delícias da cozinha italiana sempre foram sua paixão.

Estrangeiro, que nunca escreveu uma palavra em Português, valorizou esta terra, aqui trabalhou, venceu na vida, ou melhor, viveu e foi feliz. Ao final da entrevista, ele disse-me que, sem dúvida, sentia-se mais brasileiro que italiano.

Isso me faz pensar nas tantas vezes em que ouvi são-roquenses maldizerem sua terra natal, manifestando a baixa auto-estima que os impede de acreditar no potencial da cidade. Que não enxergam suas ricas belezas naturais e permitem, impassíveis, até incentivando, a destruição de seu patrimônio histórico e de sua qualidade de vida, só para citar alguns exemplos.

É difícil enxergar luz quando se tem a alma envolta pela escuridão. A passagem do imigrante italiano Luiz Poloni por esta terra mostra-nos que a vida está ao nosso redor e em abundância. Resta, apenas, permitir que o cálice transborde.

O Sr. Poloni partiu, mas não sem antes ver sua história, narrada por mim, publicada num jornal local. Ficou feliz.


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