Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

UM CONVITE PARA NOVAS TERRAS


Frederico Amosso, na tecelagem Enrico Dell''Acqua e Cia

Ele desembarcou no Brasil, estima-se, em 1892, a convite de Enrico Dell’Acqua, o capitalista e industrial da tecelagem, conhecedor de suas habilidades no ramo têxtil. O destino era a cidade de São Roque e ele viria como diretor técnico da fábrica de tecidos Enrico Dell’Acqua e Cia., recém inaugurada. O contrato lhe garantia o pagamento mensal de 320 libras esterlinas, uma fortuna para a época, além de outras vantagens, como a viagem de volta caso não se acostumasse ao trabalho e à vida no país tropical.

Com Frederico Amosso, chegaram ao Brasil outros italianos que ocupariam cargos de direção na tecelagem, como Vittorio Della Torre, diretor comercial, Rodolfo Crespi, chefe de escritório - que depois se tornou um famoso industrial no Brasil  -  além de De Toffoli, o médico da empresa, e cerca de duzentos italianos que emigraram como operários, contratados para o trabalho nos teares e nas novas máquinas da promissora indústria de tecidos. Entre eles os Bonini, Boschini, irmãos Ceppo, Collo, Tagliassachi, Tameni, Trompeu, Vagnotti e muitas outras famílias.

Vestido em seus ternos de casimira inglesa que combinavam com as belas e vistosas gravatas e chapéus de fina fabricação, apesar de ter se formado engenheiro em Turim, laureado com brilho ao final do curso, Frederico Amosso dispensava o título de doutor no tratamento que recebia em seu ambiente de trabalho.  

Corpo de atleta, 1,86 m de altura, no rosto destacava-se o bigode discreto e esmerado. Sua aparência, aliada ao andar firme, fazia do jovem uma atração para as moças casadoiras, e a disputa se acirrou quando correu entre elas a notícia de que ele tinha pressa em se casar. Para desilusão de muitas jovens, a escolhida foi a italianinha Adelina Landoni, operária da tecelagem sob seu comando, que fazia parte de uma das famílias de italianos recém-chegadas a São Roque com a abertura da fábrica de tecidos. Além da beleza, o que na moça mais chamou a atenção no diretor técnico da indústria foi a alegria.

Adelina exibia sempre um sorriso nos lábios, o que a tornava encantadora. Vivia cantando, embora isso não fosse novidade entre os italianos, mas sua voz feminina era discreta e despertava a atenção de quem a ouvia. Na tecelagem, Adelina desempenhava a função de urdidora. Esperta e dedicada ao trabalho, parecia incansável e sorria mesmo nos momentos mais difíceis.
Adelina Landoni era a caçula entre três irmãs. Marieta, a do meio, já viúva, encontrara um segundo marido, Antonio Collo, contramestre na fábrica de tecidos; e a mais velha Giovannina, se casara com Francesco Giusti, um faz-tudo da tecelagem.

Embora a origem de suas famílias fosse de níveis sócio-econômicos e culturais diferentes, Frederico e Adelina já namoravam há cerca de seis meses. A saudade da terra natal, das pessoas queridas deixadas do outro lado do mar, e o trabalho na indústria, aproximava ainda mais o casal. Além disso, apesar do comportamento severo que mantinha na direção da empresa, Frederico procurava não cometer injustiças o que o tornava bem visto e estimado entre os operários.

Frederico Amosso nasceu em Biella – considerada na época a Manchester da Itália, de onde saíam técnicos das mais diversas modalidades – em 6 de agosto de 1867, numa ilustre e rica família italiana. A mãe tinha o sobrenome Avandero, filha dos proprietários de uma das maiores transportadoras da Itália. Além de alta e bonita, era uma mulher que demonstrava fineza no trato com as pessoas, falava diversos idiomas, além de ser prendada nos afazeres da casa, o que para as mulheres da época era uma qualidade imprescindível. O pai, Luigi Amosso, era um industrial, proprietário de uma tecelagem às margens do rio Cervo, em Chiavazza. Entre os irmãos de Frederico havia médico, contador, técnico e militar. Ele só tinha uma irmã.

Depois de terminar o curso técnico em Biella e formar-se engenheiro em Turim, Frederico transferiu-se para a França e trabalhou em Lion por dois anos, onde teve oportunidade de por em prática o que aprendera em seu curso de engenharia, além de aperfeiçoar seus conhecimentos da língua francesa. De volta à Itália, assumiu a direção técnica da empresa Ackerman & Cia., em Crusinallo, onde permaneceu até maio de 1891, quando recebeu o convite para a direção técnica da Enrico Dell’Acqua e Cia., no Brasil.

Enquanto o filho crescia em sua profissão, o pai, Luigi Amosso, sofrera um grande golpe ao perder sua tecelagem, cujas instalações às margens do rio Cervo haviam sido inundadas por uma tromba d’água. A família não ficou totalmente arruinada com a perda da tecelagem porque era proprietária de um prédio de cinco andares e duas alas, na Via Umberto, nº 86, no centro de Biella, que foi hipotecado para o pagamento das dívidas da empresa, já que o governo e os bancos não prestavam qualquer auxílio às vítimas das catástrofes naturais nessa época, na Itália.

Após os seis meses de namoro com Adelina Landoni, Frederido resolveu marcar a data do casamento. Depois do enlace, a moça deixou a tecelagem para se dedicar aos cuidados com a nova casa. O que os jovens queriam naquele momento era ter seu próprio lar, pois ele já se cansara de morar em pensões e fazer suas refeições em restaurantes da cidade.

Adelia Landoni e Frederico Amosso com seus oito filhos
 
Da união entre Frederico Amosso e Adelina Landoni nasceram oito filhos, sete dois quais, naturais de São Roque. O primogênito veio logo, em 1894, Pierino. Ricardo e Carolina morreram ainda bebês. Depois veio Remo, cujo nome homenageava o tio médico na Itália; em seguida, Carolina, que levava o nome da avó Avandero; depois nasceu Edmundo, cujos cabelos vermelhos lembravam os do avô Luigi, que sucumbira aos dissabores da devastação de sua fábrica de tecidos na Itália; Giuliettina, a última dos filhos nascidos em São Roque, veio ao mundo em 1910.

Na tecelagem Enrico Dell’Acqua e Cia., como os demais italianos que haviam deixado a Itália com a promessa de um trabalho promissor, Frederico Amosso enfrentou as instabilidades sofridas pela fábrica e o conseqüente arrocho causado pela concorrência com a entrada das firmas inglesas no país. Os ingleses investiam pesado na exportação de produtos finos, apresentados em ricas embalagens; quando a esquadra naval inglesa zarpava, o mundo tremia. A direção da tecelagem dispensou diversos funcionários, entre eles, Amosso. Longe de seu país, com família formada no Brasil, desempregados, os italianos tiveram que procurar novos rumos para suas vidas, abrindo pequenos negócios ou trabalhando na E.F. Sorocabana.

A tragédia também se abatera sobre a família de Adelina Landoni. Com a demissão da tecelagem, Marieta e Antonio Collo compraram um sítio em Maylasky e a família passou a dedicar-se à agricultura e depois, à produção de vinho. Giovannina foi brutalmente pisoteada pela amante do marido e não resistindo aos ferimentos, veio a falecer.

Frederico Amosso, que possuía reservas financeiras, passou a dedicar-se à importação de vinhos italianos de Gattinara, mas o negócio não era suficiente para a sobrevivência na crise. Foi nessa época que, associando-se a Alessandro Bonini, que era eletricista, Amosso decide dedicar-se, não sem dificuldades, à iluminação elétrica da cidade de São Roque, passagem que narraremos no próximo capítulo. Após fundar a empresa Amosso e Cia, foi Frederico Amosso que montou o primeito cinema na cidade, com um gramofone colocado na entrada da sala antes do espetáculo e quem desejasse assistir o filme sentado, deveria levar cadeira de casa. Amosso também abriu a primeira fábrica de meias na cidade também.

Mas, abalado pela crise e pressionado pelas inúmeras dificuldades, foi encontrado caído no mato, próximo à sua residência. Depois desse dia, sua saúde nunca foi a mesma.

Transferiu-se com a família para São Paulo em 1911, onde quatro anos depois nasceu sua filha caçula, Giovannina, batizada com o nome da tia que não conheceu. Amosso associou-se ao contador Secondo Biola, e fundando a Biola, Amosso Cia, primeira fábrica de entretalas da América do Sul, e outros produtos, com expansão dos negócios na Itália, por meio de seu irmão.
Por sua competência no ramo industrial, Frederico Amosso era sempre solicitado a opinar como consultor, a convite de David Pichetti, que prestara serviço na tecelagem Enrico Dell'Acqua e então, trabalhava nas indústrias Matarazzo.

Mas os tempos não eram bons para negócios e com a crise que levaria à Primeira Guerra Mundial, os problemas na produção das indústrias se intensificavam no mundo todo. Apesar dos tempos, a família acumulou uma pequena fortuna.

Amosso dividia-se entre o gosto por sua segunda pátria e o amor pela Itália. Jamais negou ajuda aos italianos que chegavam ao Brasil e passaram por seu caminho. Tampouco deixou de elogiar as belezas e oportunidades da pátria brasileira.

No último dia do ano de 1920, Frederico Amosso estava na Itália com sua família há alguns meses, para rever a mãe, quando para desespero de todos foi surpreendido por um ataque cardíaco e, apesar do esforço de um dos melhores médicos de Turim, na época, Dr. Camilo Negri, sucumbiu à enfermidade, aos 52 anos.

Esta narrativa baseia-se no depoimento de sua filha Giullietina que deixou a história do pai num extrato muito bem escrito, em algumas páginas datilografadas às quais tivemos acesso.
E ela termina dizendo, num pós escrito que seu pai, apesar da posição social e da cultura, dizia ter mais afinidades e sentir mais aconchego entre os operários, “gente simples e humilde, que no sofrimento aprendia a amar e ajudar o próximo”.  


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UMA NONA ESPECIAL




Esta é uma curiosa história, mais uma história da colônia italiana.
E como toda história que envolve italianos, esta tem passagens engraçadas, outras que emocionam; às vezes uma confusão, uma receita de prato delicioso e, como não poderia deixar de ser, uma nona. Não é assim que nos lembramos dos italianos? Pode também ser que não, para alguns, mas vamos a ela..
 

OS RABECHINI (OU REBECHINI?)

Não existe na Itália, hoje em dia, uma só pessoa com o sobrenome Rabechini. Difícil de acreditar, pois em São Roque, trata-se de uma conhecida família de origem italiana. 

Eles vieram da Itália em 1891. Pier Maria Rebechini e Catarina Bruni desembarcaram no Rio de Janeiro, com destino certo à cidade de Itu, estado de São Paulo, mas logo depois estabeleceram-se como comerciantes em São Roque. Marido e mulher, não se sabe ao certo se eram de fato, pois não há uma certidão de casamento. E ela não levava o sobrenome do marido cuja grafia, note-se acima, era REBECHINI com E, e não Rabechini, com A, como a família que se estabeleceu em São Roque.

Um provável erro ou, quem sabe, mudança proposital, transformou Pier Maria Rebechini em Pedro Rabechini. Esse mistério, os bisnetos do casal tentam resolver hoje. Não se sabe o nome da cidade de origem na Itália. Talvez Pier tenha vindo de Milão, como comentavam seus filhos, mas não há nada que comprove. E se, no Brasil, o nome dessa família é pouco comum, curioso é descobrir que, na Itália, o sobrenome Rebechini está presente em apenas 27 cidades.

OS BANFI

Três anos após a chegada dos Rebechini no Brasil, partia da Calábria, no navio da empresa  La Veloce, com embarque no Porto de Gênova, o casal Paschoal Banfi e Nicoleta Basile Banfi. Ela saíra do internato no colégio de freiras, anos antes, para se casar. O destino era o Brasil e traziam consigo a filha Joanna Banfi, de apenas 3 anos. O segundo bebê do casal nasceu e morreu no navio, durante a viagem. Mais tarde, teriam outros três filhos, entre eles, Maria, a protagonista da nossa história que não nasceu na Itália, mas, no dizer de seu neto, que nos fez esta narrativa, foi uma autêntica nona italiana. Nascera no Brasil, mais precisamente em São Roque, mas fora educada sob a cultura italiana.    

La Veloce, empresa italiana de navegação, século 19

Com apenas quinze anos, ela se casou, em 25 de janeiro de 1919, mas teve de mentir a idade, e se fez passar por uma jovem de 18 anos. O noivo? Ah, sim... Chamava-se Egydio. De que? Rabechini... Ecco, daquela família. Filho de Pier Rebechini e Catarina Bruni, e também nasceu no Brasil.

A NONA

E nossa história, que pula uns pedaços, norteada pelas memórias do neto, vai encontrar o casal Maria e Egydio Rabechini anos depois, quando já eram avós. E Maria não é mais Maria, mas a nona Marieta. Eles tiveram cinco filhos, Alice, Francisco, Roque, Libélia e Paschoal – e doze netos.

Como Egydio conservasse forte influência de seus pais italianos, queria a família sempre unida. Assim, construiu uma casa para cada filho, uma ao lado da outra e todas perto da sua, na rua João XXIII.

A MAGIA DO NATAL

O casal se completava, segundo o neto que nos relembra passagens da vida da nona

Em seu olhar, Egydio era a figura hierárquica, o respeito, a consideração, a veneração.

-"Sim, nono, pois, não, nono! O senhor manda, nono; a sua ordem não se discute, eu faço." A nona era a figura anárquica. Havia pelo nono, o respeito, e muito grande: o nono falou, tá falado, o nono mandou, já tá mandado. Ele era um homem alto, magro, tinha uns olhos muito azuis  Eram lindos os olhos dele. Agora, ele vivia na loja.
 
Sim, o avô vivia na loja; em casa, onde reinava a nona, ele parecia pedir licença para circular. E a loja do nono era a Casa Reinaldo, na Praça da Matriz, que vendia de tudo, de móveis a tecidos. E brinquedos... no Natal era uma verdadeira casa de Papai Noel. E havia um Papai Noel de verdade (Iracy Silveira), que encantava o neto, na verdade, um empregado da loja, muito magro, mas que se transformava no velho gorducho, às custas de almofadas e travesseiros e saía pela cidade distribuindo às crianças os presentes que os pais compravam na loja.

O neto mergulhava nesse mundo mágico e tudo era idéia do nono. Quieto, sério, educado, mas proporcionava às crianças a magia do Natal.

CANÇÕES ENTOADAS, HISTÓRIAS CONTADAS

A nona Marieta era a figura baixa, gordinha, briguenta, que falava alto, xingava os vizinhos, mas depois corria levar docinhos. Os netos chegavam e encontravam a casa aberta, esse era o costume, mas a maneira de receber era ríspida. 

- É só sentir cheiro de doce, vem comer na casa...parece que a mãe não faz...você quer mais um pouquinho?  Pega mais um pouquinho, aqui...a nona dá. E manda os filho prá cá, parece que não faz doce...Olha a colher, vai pegando aquela colher que aquela colher é melhor.  Era uma rispidez carregada de carinho pelos netos.

Sentada na porta da cozinha, ela descascava dentinhos de alho caipira, as réstias penduradas à espera da sua vez. E os netos pediam, queriam as histórias, que ela ia contando, descascando... e contando... Contando e às vezes também cantando. La Campagnola Bella e Vivere eram as canções preferidas. Os  - Viiiiivereeeee!!! às vezes espantavam os vizinhos.

Sobre as histórias, mais tarde o neto descobriu que eram parecidas com enredos de óperas italianas. Como ela as conhecia, ninguém explica, mal aprendera a ler e escrever. 

Ela adocicou um pouco essas histórias, por exemplo, ela contava da moça que o pai obrigou o filho a não se casar com ela porque era doente... Depois eu descobri que era a Traviata. Ou do soldado que preferia a escrava à princesa. Ele queria casar com a escrava, mas a princesa gostava dele... Mais tarde, percebi que era Aída, conta o neto.

NA COZINHA, A MÃO É SANTA

Quituteira, como toda italiana, que ela não era, mas parecia ser, nona Marieta, não dispensava o fogão à lenha, sobre o qual sempre havia um bule de café quentinho. Os molhos e temperos para as massas, sua especialidade, eram feitos ali. Sobre o fogão a gás, limpo e arrumadinho, havia sempre uma toalhinha de crochê e um vasinho de begônia. 

Mas o fogão à lenha reinava na cozinha, embora ficasse fora, era onde assava suas massas.
O neto se lembra do pão, delícia simples que levava poucos ingredientes.
Ela dizia que pão se faz com farinha, fermento, água, sal e paciência. Pois tinha de amassar, depois deixar a massa descansar, depois amassar e novamente, descansar, para crescer...
E amassar com as mãos, que na cozinha a mão é santa, profetizava nona Marieta, inventando e misturando ervas, lingüiça, ou presunto à massa do pão, que enrolava e depois assava.

Mas quem amassava o nhoc era o nono, que a nona não tinha força. E nhoc de batata; na massa ia manteiga, que margarina dá ranço, explicava a nona.

AROMAS LEMBRANÇAS

Entre as lembranças do neto, que emocionam, está aquela que os sentidos retiveram com a mesma intensidade de anos atrás: a dos aromas.

Eu lembro do quarto dela que tinha cheiro de lavanda, eu não sabia o que era, eu não sabia dar nome. Hoje sei que era lavanda. O banheiro tinha cheiro de sabonete, era um sabonete vermelho chamado Lifeboy, acho que não existe mais. A sala tinha cheiro de óleo de peroba... Mas, o gostoso era a cozinha, que tinha aquele cheiro de refogadinho de azeite, não de óleo, era azeite, alho e cebola, então aquele perfume...e manjericão, que ela usava muito o manjericão. 

E as recordações levam o neto às lágrimas quando conta que há pouco tempo viu uma plantinha na feira, reconheceu o formato da folha e descobriu que era malva, com o mesmo aroma marcante que a avó colocava entre os lençóis.

O NETO

Quem nos contou suas recordações sobre nona Marieta, foi seu neto José Roberto Miller, professor de História e assistente técnico pedagógico. A paixão pelas coisas da História e pela avó, com quem foi criado desde menino, quando perdeu o pai, leva-o a afirmar que essa convivência com a nona, descendente direta de italianos, lhe dá raiz.

Enquanto eu vejo que muita gente não entende o termo raiz, eu cresci já com esse conceito de raiz pronto e formado. Eu acho muito importante porque esse sentimento de raiz te finca no chão e te dá um solo, e te dá um alicerce muito forte, dá segurança. A segurança que você tem e que você leva para o resto da vida é imensa, afirma ele, que ainda guarda alguns objetos que pertenceram à avó e carregam um profundo valor afetivo.

Eles são um vaso, tipo solitário, de cristal, que nada mais é do que uma flor entrelaçada por uma cobra; um cisne de cerâmica, já quebrado e colado várias vezes e um menininho de gesso, com aspecto dos bonecos do início do século passado, de bundinha de fora, e nela uma aranha grudada, ambos ganhos em jogos nas barracas da Festa de Agosto de algum ano remoto.

Mas o mais importante é o Santo Antônio que veio da Itália, pertenceu à nona da nona, é de barro, estava todo coberto de fuligem, preto mesmo, mas, depois de restaurado, reapareceu com o menino Jesus em seu colo. Coisas do coração...



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domingo, 19 de junho de 2011

Uma lição italiana de vida - making of 1



Apenas ilustração

Eu havia publicado no jornal local, na semana anterior um texto que integraria o livro Andiamo... o qual terminei citando Boris Pasternak: A vida transborda de qualquer cálice. Sem dúvida, uma verdade que pude comprovar dias depois.

Preparei-me para minha primeira entrevista, para o projeto Andiamo... Memória da Imigração Italiana em São Roque, em maio de 2005. Como boa jornalista que sempre tento ser, mas nem sempre consigo, testei o gravador, desemperrei a pilha na câmera fotográfica (não era uma digital). Pensei nas perguntas que faria e lá fui para Maiylasky dirigindo-me à casa do Sr. Luiz Poloni, conhecido como Ângelo, que me foi apresentado pelo Edson Caparelli.

Entrevista previamente marcada com sua filha, eu estava tranqüila e minha preocupação era com a forma do meu trabalho, ansiosa pelas informações que poderia obter, pelos documentos ou fotos que a família poderia me fornecer. Mas o que encontrei foi muito mais que conteúdo, foi uma lição de vida.

O Sr. Poloni, 93 anos, debilitado pela idade e a doença, com dificuldades para se expressar verbalmente, estava na cama e eu pouco poderia ter entendido das respostas que me deu não fosse a atenção de sua filha. Mas a garra, a lucidez e a vontade de viver desse homem, expressas através de seus olhos de um intenso azul, muito me impressionaram.

Marcou-me não apenas sua história de jovem italiano de 20 anos, filho de uma família que, na Itália de Mussolini, quando os nazistas já se organizavam maciçamente na Alemanha, resolveu protegê-lo dos horrores da guerra e enviá-lo ao Brasil. Mas também o fato de ter acreditado nesta cidade, de ter visto em São Roque uma terra de oportunidades.

Deixara para trás sua família, os amigos, e estava numa terra estranha, sem nada entender da língua ou conhecer dos costumes. Recebido por parentes, jamais voltou a ver seus pais ou irmãos, nunca teve oportunidade de retornar à Itália. Isso poderia ter sido um drama.

Mas não para o determinado e alegre “Ângelo Poloni”, lavrador, que, apesar de ter cursado somente o 4º ano primário, conseguiu exercer uma valiosa profissão, mostrando o que de melhor sabia e que trouxera da Itália, no enxerto de uvas para a produção de vinho branco seco na indústria Cinzano.
Em São Roque comprou seu pedaço de terra e ao lado da mulher Maria Joanna, criou as filhas e celebrou a vida. A música, as reuniões com amigos para cantar e desfrutar das delícias da cozinha italiana sempre foram sua paixão.

Estrangeiro, que nunca escreveu uma palavra em Português, valorizou esta terra, aqui trabalhou, venceu na vida, ou melhor, viveu e foi feliz. Ao final da entrevista, ele disse-me que, sem dúvida, sentia-se mais brasileiro que italiano.

Isso me faz pensar nas tantas vezes em que ouvi são-roquenses maldizerem sua terra natal, manifestando a baixa auto-estima que os impede de acreditar no potencial da cidade. Que não enxergam suas ricas belezas naturais e permitem, impassíveis, até incentivando, a destruição de seu patrimônio histórico e de sua qualidade de vida, só para citar alguns exemplos.

É difícil enxergar luz quando se tem a alma envolta pela escuridão. A passagem do imigrante italiano Luiz Poloni por esta terra mostra-nos que a vida está ao nosso redor e em abundância. Resta, apenas, permitir que o cálice transborde.

O Sr. Poloni partiu, mas não sem antes ver sua história, narrada por mim, publicada num jornal local. Ficou feliz.


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