Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

sábado, 28 de maio de 2011

Das Histórias de um Mascate

 
Vendedor mascate, ele deve ter cruzado o Atlântico quase vinte vezes, entre os idos de 1870 e o final do século 19, na rota Itália-Brasil, em longas viagens de navio, a fim de comercializar os belos tecidos italianos e outros produtos. Sobre esse imigrante, natural da Ligúria, região ao norte da Itália, localizada entre Piemonte e Toscana, o professor Joaquim Silveira Santos, escreveria em seu livro São Roque de Outrora, publicado na segunda década do século 20: Não há quem não conheça, ao menos, por tradição, um Pedro Verani, espírito jovial e comunicativo, negociante muito reputado.

Para a família, há indícios de que sua origem seja nórdica, talvez tivesse uma ascendência austríaca, já que a região em que nasceu faz divisa com a Áustria. Poderia ter sido um cristão novo, segundo os descendentes e, na verdade, ter mascarado sua origem judaica.
Pedro Verani chegaria à cidade de São Roque, pela primeira vez, acompanhado de seu conterrâneo Giuseppe Casali – igualmente vendedor ambulante, depois viticultor – e de sua irmã, Ana Pedrina Verani, que logo retornaria à Itália. A intenção dos amigos era a de se estabelecerem como comerciantes no Brasil.

AMORES EM DONA CATARINA

Sem intenção de ancorar-se em parte alguma, de índole aventureira, e solteiro, em 1881 Pedro Verani envolve-se num possível romance com Ana Brandina dos Santos, jovem que vivia no bairro hoje conhecido como Dona Catarina na cidade de Mairinque, região que pertencia ao município de São Roque e que já foi tida como um dos berços do café.

Desse relacionamento nasce, em 11 de março de 1882, o pequeno Francisco, filho natural de Maria Brandina e Pedro Verani. Somente quando jovem seria registrado pelo pai com o sobrenome Verani. Nos anos seguintes, Pedro Verani viajaria diversas vezes à Itália em busca de mercadorias e foi na volta de uma dessas travessias que encontrou enferma, a mãe de seu filho. Ela morreria pouco tempo depois.   
Dividido entre a responsabilidade que assumira para si, de criar o menino Francisco, e seu trabalho como vendedor ambulante, Pedro Verani precisava encontrar uma saída. Assim, apelou para os amigos para que pudesse continuar a atravessar o Atlântico em busca de mercadorias.

No tempo em que ficara em São Roque ele conhecera a família Salvetti, o casal Luiz e Carlota, de origem italiana, que se instalara na cidade na mesma época. E foi seu filho mais velho, Sabattino Salvetti, quem recebeu a incumbência de se responsabilizar pelo pequeno Francisco durante as viagens do mascate.
Anos depois, após conseguir juntar algum dinheiro, percebendo a necessidade de estar perto de seu filho, Pedro Verani consegue finalmente realizar o sonho de abrir uma casa comercial em São Roque, um armazém na rua depois nomeada XV de Novembro que, como era costume na época, vendia de tudo, de alimentos a tecidos, e que daria origem à centenária Casa Verani.

Em suas memórias sobre essa casa comercial, Francisco Verani, já adulto, lembraria – entre as muitas histórias narradas a Eddie Alonso, funcionário da Casa Verani por vinte e seis anos – que seu pai, ao baixar as portas do estabelecimento, revivia um costume que trouxera da Itália, reunindo amigos para encontros de carteado que seguiam noite adentro, enquanto o menino dormia deitado sob o grande balcão de madeira do armazém.

DUPLO CASAMENTO

A amizade entre os Verani e a família Salvetti se estreitara. Francisco, ainda adolescente, começa a namorar Isolina, uma das irmãs de Sabattino Salvetti. E Pedro Verani, que pretendia casar-se, já se interessara por Amélia, a caçula dos Salvetti. Era grande a diferença de idade entre o casal, mas a atração que os unia era mútua. Apesar de muito jovem – Amélia ainda não completara quinze anos – casaram-se e, entre 1897 e 1901, tiveram quatro filhos: Adelina, Josefina, Reinaldo e Iolanda. Cerca de um ano e meio depois de ter dado à luz a menina mais nova, Amélia morre de complicações no parto do quinto filho.
Com a perda da esposa, Pedro Verani mergulha numa possível depressão, adoece gravemente e morre poucos meses depois.
Com quatro crianças órfãs, em idades que não passavam dos seis anos – irmãos de Francisco Verani e sobrinhos de Isolina, sua namorada – esse casal, unido em matrimônio, assume a guarda dos pequenos.


Isolina e Francisco Verani (álbum da família Amosso)

PAI DE SI MESMO

Francisco Verani e Isolina Salvetti casaram-se em 1904 e além das quatro crianças que adotaram, tiveram mais seis filhos: Pedro, Amélia, Mário, Julieta, Maria e Roque.
Os dois primeiros, cujos nomes homenageavam as pessoas queridas que já não estavam entre eles, morreram ainda pequenos, como era comum no início do século 20. Amelinha, antes de completar três anos e Pedrinho, aos oito, levado pela gripe espanhola.

O casal Francisco e Isolina viveria por muitos anos em São Roque e seria o esteio de uma família de origem italiana, que se consolidaria social e economicamente na cidade.
Já idoso, ao contar suas histórias, Francisco Verani afirmava divertido que chegara à conclusão de que era pai de si mesmo. Pois, se tinha sido pai de seus irmãos ainda bem pequenos, se seus irmãos eram seus filhos, então, não lhe sobrara outra opção de parentesco: era pai dele mesmo.

CASA VERANI

Mas se Francisco Verani foi o centro de uma numerosa família são-roquense, a Casa Verani, uma loja de ferragens aberta por ele em 1916, seria por muitos anos um ponto de encontro da cidade. De lá saíram decisões políticas e soluções para problemas diversos, dos matrimoniais aos de negócios, sempre com as sábias opiniões de seu Chico Verani.
Para o senhor Vasco Barioni, que adquiriu a Casa Verani dos irmãos Mário e Roque, em 1976, e a conservou com o mesmo nome até 2005, Chico Verani era um pouco filósofo, estava sempre ajudando as pessoas, às vezes com dinheiro, às vezes com conselho. 
Vasco se recordou de duas passagens que dizem um pouco de Francisco Verani.

Contou ele:
“O Domingos de Moraes, avô dos Peta, era um músico, tocava bombardino. E o capitão Danton  (Castilho Cabral - prefeito) era mestre da banda da Força Pública, em São Paulo. Quando teve um concerto aqui... ele achou que o seu Domingos era um músico exímio, formidável. Ele disse:

- Eu vou dar um concerto em São Paulo e você vai ser o solista.
- Mas, eu, professor?’
- É, você vai tocar seu bombardino...

“Depois que o Danton foi embora, o Domingos chegou para o Chico Verani:
- Chico, o senhor  não sabe o que tá acontecendo, imagine, eu, caipira de São Roque, na banda municipal, não sei como eu vou fazer.
“Aí, Chico disse:
- Você é extraordinário. Você não faz feio, se faz bonito aqui em São Roque, pode fazer lá também.
- Será?
E custou para animar o homem. Ele chegava lá:
- O Senhor é bom,seu Chico, mas não tem que tocar nada, não toca nenhum instrumento, eu tenho que estudar todo dia, toda noite. Duas vezes por semana, tenho que ensaiar lá em São Paulo.
“Mas ele se saiu muito bem no concerto e quando veio, disse:
- Chico, graças a Deus e graças a você, eu venci!”
 
Vasco lembrou–se, ainda, de outro episódio:
“Depois veio o Antônio de Oliveira Pinto, veio de Araçariguama e foi se consultar com o Chico Verani:
- Chico, tá ruim lá em Araçariguama, queria abrir uma loja de ferragens aqui, você não vai achar ruim?
 
“Chico era formidável, não era egoísta, não estava preocupado com a concorrência:
- O que você quer Antônio? O que você precisar de mim...
“E o Chico Verani apoiou seu Antônio na abertura do novo negócio e hoje os Oliveira Pinto estão muito bem. O Chico Verani, sempre dava uma mãozinha: Faça isso, faça aquilo, se alguém tinha alguma dificuldade...”



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