Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A saga do jovem italiano que escolheu a Terra do Vinho

No trem, o cansaço era mais um dos muitos incômodos da viagem entre Goiânia e a fazenda Santa Maria em Cornélio Procópio, no Paraná, parte do percurso feito de avião e o restante sobre os trilhos da Sorocabana. Uma parada no interior de São Paulo, cerca de 60 km da capital, gerou um burburinho com sotaque italiano, entre os passageiros.

- Terra do Vinho! É aqui! 

- É! Tem vinhateiro de monte! Muito italiano!

- Um mundaréu de plantação de uva, é São Roque!

A conversa sobre a pequena cidade, conhecida como Terra do Vinho, apenas avistada de longe, da ferrovia, à noite, atraiu a atenção do jovem italiano Vittorio, que chegara ao Brasil há menos de dois meses.

Foram repletos de reflexões e planos os dias de viagem que o separavam da família de agricultores – os pais, Giuseppe e Felícia, três irmãos e cinco irmãs – instalada no Paraná e empregada numa plantação de café, em Cornélio Procópio.

FUTURO INCERTO

Ele que pouco conhecia da língua portuguesa, numa terra alheia, estava totalmente aturdido com a verdadeira aventura vivida por sua família em curto espaço de tempo. Apesar da pouca idade, como filho mais velho, várias responsabilidades pesavam, naquele momento, sobre seus ombros e o final dessa caminhada era incerto.

Nos últimos anos presenciara os horrores da Segunda Guerra Mundial, tivera de deixar a casa com a família, para fugir dos bombardeios. Na volta, encontrara praticamente destruída a sua cidade, Fossacesia, localizada na província de Chieti, região de Abruzzo, na Itália meridional. 

O que restou de sua casa, não dava para abrigar toda a família. Com o irmão Remo, levantou um sobrado todo feito de pedra, pois não havia nenhum material intacto, de tijolos a telhas, que pudesse ser aproveitado.

A COOPERATIVA

As inúmeras dificuldades para reconstruir a vida na Itália do pós-guerra levaram o pai de Vittorio a adquirir um terreno no Brasil, por intermédio de uma cooperativa. O sonho de “fazer a América” era maior que o medo de partir, sem garantia alguma, para uma terra estranha.

A família de onze pessoas chegou ao Brasil em dezembro de 1950. A viagem a bordo do navio Paolo Toscanelli teve seu final no porto do Rio de Janeiro, mas o destino era o sertão de Goiás, um local desprovido de qualquer recurso para a sobrevivência.
Mas eles nem sonhavam com a realidade que encontrariam.

Em meio ao cerrado, despejadas no nada, cerca de 25 famílias ficaram por 30 dias, praticamente abandonadas num barracão, dormindo no chão. A cidade era Rio Verde e o prefeito, para se eximir das responsabilidades, transportou em caminhões, para a capital Goiânia, os imigrantes que haviam adquirido terras naquele local por meio da cooperativa.

O pagamento havia sido feito adiantado, mas logo as famílias perceberam que haviam sido enganadas e não havia ninguém da tal cooperativa que pudesse ser responsabilizado.

A CADEIA

Em Goiânia, outras humilhações esperavam o jovem Vittorio e sua família. Abandonados, com as demais famílias em praça pública e sem condições de se instalar num hotel, precisavam de uma solução urgente. Vittorio, então, tomou a iniciativa de procurar a autoridade italiana na capital de Goiás. E a única opção viabilizada pelo vice-cônsul da Itália foi a instalação da família na cadeia pública. Ali teriam comida e poderiam pernoitar na capela. Assim viveram por 23 dias. As noites passavam na capela da cadeia e os dias, perambulando pela cidade, à procura de emprego.

MANDIOCA

Encontraram, então, um advogado que lhes ofereceu trabalho num sítio a 12 km de Goiânia, onde plantariam verduras e as venderiam no mercado. Era Vittorio quem se levantava às três da madrugada para comercializar as verduras na cidade.

Por seis meses, a família viveu na rotina do trabalho na lavoura, sem que se pudesse vislumbrar qualquer possibilidade de melhorar a situação de penúria. O sonho de fazer a América parecia distante. Alimentavam-se basicamente de mandioca cozida.

Então, Giuseppe, o pai de Vittorio, resolveu partir para o Paraná, confiando na palavra de um motorista de caminhão que lhe garantira que lá encontraria muitas outras famílias italianas.
Foi assim que essa família assinou contrato de trabalho de um ano na fazenda Santa Maria, em Cornélio Procópio.

LAVOURA DE CAFÉ

No trem com destino ao Paraná, todas essas recordações perpassavam a mente de Vittorio de quem a guerra e a emigração exigiram atitudes adultas que decidiriam o futuro de sua família, quando tinha apenas 21 anos. Ele ficara em Goiás para vender o restante das verduras e então, partira ao encontro dos familiares.

Em Cornélio Procópio, o trabalho de sua família era na plantação de café, onde os colonos estavam proibidos de sair da fazenda Santa Maria e, ao toque do sino, deveriam se recolher aos alojamentos até o dia seguinte.

SEM DOCUMENTO

Vittorio permaneceu por uma semana nessa fazenda e como não estivesse incluído no contrato de trabalho, podia sair daquele ambiente escravizador e respirar um pouco de liberdade. Inconformado com a vida no Paraná, que parecia pior que o pesadelo vivido em Goiás, decidiu procurar o irmão de seu pai que vivia na Argentina. Teve de permanecer em Uruguaiana por quatro meses, à espera de uma documentação que lhe permitisse cruzar a fronteira do Brasil com a Argentina.  

Ali enfrentaria novas dificuldades e passaria todo o tempo num quarto alugado, onde durante o dia precisava cozinhar a própria comida e, à noite, sem luz, era obrigado a dormir no chão, transformando os próprios sapatos em travesseiros.
Apesar do esforço, não obteve os documentos. Frustrado, mas pensando em novas saídas, viajou de trem por uma semana para reencontrar a família.

PEDREIRO

De volta à Cornélio Procópio, decidiu tomar outro rumo. Na fazenda Santa Maria não poderia continuar. Precisava pensar numa forma de levar a família para outro lugar. Resolveu trabalhar como pedreiro. Por indicação de um patrício, encontrou trabalho numa construção, onde chegava a assentar três mil tijolos por dia.
Não era um serviço fácil, mas o jovem tinha como meta economizar o dinheiro ganho, vislumbrando, assim, novos horizontes.

Para não gastar, dormia na colônia, onde precisava conviver com animais peçonhentos. As refeições, fazia na casa de um colono e, aos domingos, era convidado pelo gerente, filho de italianos, para uma macarronada.

NA TERRA DO VINHO

Quando percebeu que guardara dinheiro suficiente Vittorio decidiu partir com a família. O destino era o estado de São Paulo. E a cidade, aquela que não lhe saía da cabeça desde a noite no trem, onde ouvira falar da Terra do Vinho. Partiram num caminhão de mudanças, alugado.

A família Cerrone chegou em São Roque no ano de 1953. Vittorio, o filho mais velho, tinha apenas 24 anos e já enfrentara todo tipo de dificuldade.

Cerrone & Cia

Em São Roque, o pai Giuseppe e os filhos mais velhos começaram a trabalhar como pedreiros. E por conta própria. O sonho de trabalho de Vittorio sempre fora no ramo da construção civil. Em pouco tempo, abriram a firma Cerrone e Filhos, na rua São Paulo, onde a família residia. Essa firma foi responsável pela construção de diversas residências da cidade nos anos de 1950.

A família Cerrone inaugurou, depois, um depósito de materiais de construção na avenida Tiradentes. A firma, já ampliada, passou a chamar-se Cerrone e Cia Ltda. E posteriormente, foi transferida para a avenida Enrico Dell’Acqua.

Vittorio Cerrone, mais tarde, abriria uma nova firma, a Cerrone Materiais de Construção, que empregou dezenas de funcionários são-roquenses.
Quem o conheceu empresário jamais o acreditaria pedreiro.

CIDADÃO SÃO-ROQUENSE

Por seu intermédio, outras famílias de imigrantes italianos instalaram-se em São Roque. Nessa cidade, casou-se com Osmil, uma brasileira, teve quatro filhas e hoje são cinco os seus netos. 

Vittorio Cerrone só voltou à Itália trinta anos depois da partida, quando a emoção transbordou em cada canto revisitado da terra natal, e no reencontro com cada amigo ou familiar que lá ficou.

A casa de pedra, por ele construída naquele sofrido tempo da  Segunda Grande Guerra, quando tinha somente 15 anos, estava lá, como a confirmar a saga dessa família de imigrantes italianos, agricultores da difícil região de Abruzzo, que realizaram, em São Roque, o sonho de fazer a América

Vittorio Cerrone, álbum de família
 
Em 2003, a Câmara Municipal entregou a Vittorio Cerrone o título de cidadão são-roquense. Desnecessário dizer que cidadão são-roquense ele já era desde o momento em que elegeu São Roque para instalar sua família. Já estava escrito naquela noite em que um trem da Sorocabana cruzou essas terras levando um jovem e determinado imigrante italiano.


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