Partire è un pó morire, dice l’adagio, ma è meglio partire che morire.”

(Carrara, na peça teatral Merica, Merica)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Nem muito triste, nem muito alegre


Chiesa Vecchia, em Petacciato, comuna onde nasceu Maria Lorito. Foto Antonio Greco

A História é pontuada por figuras às vezes míticas a quem são atribuídos grandes feitos. Quase sempre são heróis a quem o cinema consagra, séculos depois, com superproduções. As figuras femininas, historicamente, são as menos exaltadas. Tratando-se de tempos remotos, raramente vemos uma heroína. Elas podem ser contadas nos dedos e quase sempre estão ligadas a um herói. 

Não acontece diferente nas narrativas sobre a imigração italiana. As mulheres sempre são as “mamas”, macarroneiras, bonachonas e risonhas ou choronas. Ninguém se pergunta sobre como é deixar a família e nunca mais ver seus entes queridos, para mulheres que vinham de uma cultura onde o matriarcado e a união em torno dele eram supervalorizados; quase nunca se comenta sobre o sentimento de quem embarcava na Itália com onze filhos e chegava a algum porto do Brasil com apenas seis deles; e poderíamos discorrer sobre isso por páginas a fio, nos detendo em fatos pouco observados, onde a figura da mulher é sempre esquecida em favor da luta do homem para Fazer a América.

Mas, como diz o ditado, “por trás de um grande homem, há sempre uma mulher”. Assim, falando de imigrantes italianos, vamos mostrar um pouco das heroínas do cotidiano, na figura de uma delas.

FAZENDO A DIFERENÇA

Em páginas anteriores, abordamos a trajetória da família Tagliassachi e, ao buscar uma foto para ilustrá-la, com o senhor Vasco Barioni, um comentário seu nos chamou a atenção para as figuras femininas pouco destacadas. Ao se referir ao verdadeiro “império empresarial” construído em São Roque por Francisco Tagliassachi, no início do século passado, seu comentário fez a diferença: era Amélia Tagliassachi quem realizava a escrita dos negócios do marido que, segundo nosso informante, pouco sabia da língua portuguesa.

Como ela, a protagonista desta nossa história, fez a diferença na trajetória de outra família de imigrantes.
E é ela mesma quem começa esta narrativa:

= Vou contar a minha história. Não é muito triste nem muito alegre.

Essa abertura caracteriza o início das lembranças de Maria Lorito, nascida em 1935, na pequena cidade italiana de Petacciato, província de Campobasso, na região de Molise. Quem a vê, hoje, ao lado do marido, à frente da administração do Magazine Itália, não imagina sua habilidade em elaborar a alternância dos bons e maus momentos da vida que, segundo especialistas, é onde reside a sabedoria do viver. Isso não a impediu, no entanto, de rir e chorar, ao invocar suas lembranças.

Panorama de Petacciato, a cidade natal de Maria Lorito. Viewphotos.org

A MÃE

Dissemos da força do matriarcado nos costumes da família italiana. Se isso é verdade, é verdade também que na vida da pequena Maria Lorito, de quatro anos, a figura materna, a mãe Giulia di Lena, teve importância central tanto no senso de valorização da família como em sua estruturação emocional.

A minha mãe, quando eu nasci, tinha 38 anos. E quando eu tinha quatro anos, ela  teve infarto. Daí eu lembro até hoje o que aconteceu, que nos estávamos brincando, eu  com mais dois irmãos, chegou o terceiro e falou pro meu irmão, quietinho, assim, o que  tinha acontecido com minha mãe, que era grave mesmo, e daí falei:

- Eu escutei o que vocês falaram... - Corri e quando estava chegando em casa, vi que levantavam minha mãe na cama porque naquele tempo não era que nem hoje que tem hospital e tudo. Vinha o médico a cavalo da cidade, que a gente morava no nosso sítio, e... às vezes, eles ligavam uma corrente prá dar choque elétrico, para ela voltar. Foi indo, ela melhorou e eu tinha oito anos quando ela veio a falecer.

NOITES DE DANÇA

A vida de órfã, filha caçula, ao lado do pai, Nicola, e dos irmãos Michele, Carmela, Pepino, Romeu e Umberto, foi das mais felizes, apesar das circunstâncias por vezes adversas. Ela cresceu cercada também de outros familiares.

Na pequena Petacciato que nos dias de hoje tem pouco mais de 3300 habitantes e cujo padroeiro, coincidentemente, é São Roque, o cotidiano da família de agricultores que, durante o dia, lavrava a terra, plantava e colhia trigo e milho, além das azeitonas, era alegre e permeado pela música, tirada do acordeom por primos ou irmãos. É assim que ela recorda esses momentos:

E a gente ia na missa aos domingos e depois que saía da missa se ajuntava na casa d’alguma prima ou na minha ou de outro primo e daí se dançava a tarde toda, era muito divertido, até hoje a família é muito unida. Eu lembro de várias noites em que se dançava até 8 horas da manhã. Era uma festa mesmo.

O CASAMENTO

Em 1955, Maria era uma moça de 20 anos que jamais pensara em se casar:  

Eu fui assim, uma moça muito expansiva, alegre mas... na verdade, eu não queria me casar, eu tinha muito medo de casar e alguém xingar a minha família. Porque não tem gente que casa e fica se xingando? Na minha casa não existe isso. É eu e você e a família à parte. Mas eu tinha tanto medo que alguém xingasse a minha mãe..., conta ela.

Nessa época, a família Di Girolamo, que decidira vir para o Brasil tinha apenas uma filhinha de 7 anos e era preciso que um dos filhos se casasse para que a mãe pudesse ter outras companhias femininas ao partir da Itália. Assim, por indicação de um compadre, Cesare di Girolamo, acompanhado de seu pai Giuseppe, procurou a família Lorito, em busca de uma esposa.

Antigamente o casamento se fazia, não nascia que nem hoje, sozinho, era por intermédio dos outros que a pessoa se casava, justifica ela.

O pai de Maria pediu um prazo de quinze dias para a resposta. Estava propenso a dizer sim, pois se tratava de ir para a América, mas a filha não aceitou e ele, constrangido, teve de negar o pedido à família Di Girolamo. Uma semana depois, a futura sogra tentaria convencê-la, como conta Maria:

- Ah! Fala que sim, fala que sim! Ele é um bom filho. Fala que sim, nós vamos na América, você põe um chapéu... 

(risos) Só sei que ela ficou o dia inteiro comigo falando, atrás, até que eu falei: 

- Tá, bom, vai! - falei que sim. Só que depois que falei que sim, ‘ah, meu Deus, onde que eu tava com a cabeça?’ É, mas, tudo bem! Tem coisa que aconteceu meio chata! Mas, daí, tudo bem, depois me casei e são cinqüenta anos que nós estamos juntos, graças a Deus. 

Dona Maria não se arrepende:  

Por isso que me casei, o amor nasce, a convivência, tudo...

Bodas de Ouro

No dia 1º de outubro de 2005 Maria Lorito e Cesare di Girolamo fizeram Bodas de Ouro.
A chegada no Brasil, em 1955, o trabalho na lavoura em Pedrinhas, depois numa tecelagem em São Roque, o nascimento do primeiro filho em 1957, doente, o dinheiro que não dava, o casal vivendo num pequeno porão, o emprego do marido na CBA – Companhia Brasileira de Alumínio, sua decisão de trabalhar por conta própria, vender retalhos de casa em casa, o trabalho dela na tecelagem Brasital, a banca de roupas na feira, são fatos que já fazem da parte da história de mais uma família de imigrantes italianos que Fez a América.

Mas, certamente, o sucesso de Cesare di Girolamo, agraciado com o título de cidadão são-roquense, há alguns anos, teve o brilho da presença de sua mulher, Maria, em todos os momentos. 

E ela, com certeza é tão são-roquense como todos que nessa cidade nasceram. E sente-se como nós um deles:

Quando nós viemos prá São Roque, realmente prá nós ela se apresentou uma cidade italiana, mesmo, assim o estilo, tudo, parecida com a Itália. A gente ia à missa aos domingos, depois que saía, a praça era tudo rodinha de italiano, contando o que haviam feito durante a semana. São Roque prá mim é uma cidade maravilhosa.

Marina, em Petacciato, cidade natal de Maria Lorito. Viewhotos


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