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domingo, 29 de maio de 2011

O Progresso nos Trilhos da Ferrovia


Início do século 20. Com as obras de expansão da ferrovia, Francesco Maraccini, italiano que chegara ao Brasil em 1887, percebe a oportunidade de negócios na vila Mayrink, onde já trabalhava no comércio de secos e molhados, roupas e armarinhos, e ali monta um hotel, que recepciona os novos empregados da ferrovia em seus primeiros dias de estadia na vila. Registros históricos sobre as origens dessa vila do município de São Roque dão conta de que ele foi um dos pioneiros na atividade comercial e no desenvolvimento econômico do lugarejo, tendo também explorado uma pedreira em Briquituba.


Francesco Maraccini
(álbum de família)
MAYRINK

Mayrink progride com a expansão dos trilhos da ferrovia. Pequena localidade distante poucos quilômetros do centro de São Roque, a vila nascera em 1890, em conseqüencia da iniciativa do conselheiro Francisco de Paula Mayrink, então diretor da Estrada de Ferro Sorocabana, ao iniciar a construção de moradias para os operários ferroviários, nas terras de uma antiga fazenda conhecida como Canguera (que na língua indígena significa ossada) ou Manduzinho (nome de seus antigos proprietários). A companhia Sorocabana adquire 264 mil alqueires dessa fazenda, e destina uma parte das terras ao plantio de árvores, visando a produção de madeira para a retirada da lenha que alimentaria as locomotivas. No mesmo local, são construídos o pátio de manobras dos trens e a oficina de manutenção.

Em 1900, o povoado passara a se chamar Conselheiro Mairynk, em homenagem ao seu fundador. Com o progresso e o crescimento determinados pelo advento da ferrovia, em 1904, Mayrink é elevada à condição de distrito de São Roque, município do qual se desmembraria em 1954, quando a grafia de seu nome já era Mairinque.
Em 1906, a Sorocabana inaugura a estação ferroviária de Mayrink, prédio considerado posteriormente de grande importância na arquitetura do país, e tombado em 1986 pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – em reconhecimento ao valor do projeto do arquiteto Victor Dubugras, que deu forma à primeira estação ferroviária construída em concreto armado do Brasil, cuja estética apresentava o estilo art-nouveau.

No início do século 20, a expansão da ferrovia em Mayrink estimula o crescimento do povoado, a população local aumenta com a vinda dos trabalhadores da estrada de ferro o que gera um novo movimento econômico para a localidade, com incentivo ao comércio e aos serviços. Essa transformação no panorama da vila atrai novos moradores que ali se estabelecem no comércio e na prestação de serviços, entre eles imigrantes italianos que viam naquela vila sua oportunidade de trabalho em solo brasileiro. Mairinque conviveu com os imigrantes que fazem parte da sua história, onde se destacam famílias com sobrenomes italianos que permanecem na cidade até os dias de hoje como Angelini, Bellini, Bertolini, Chesini, Comodo, Ortolani, entre outros. A esses nomes juntam-se os que no passado também fizeram parte de sua história.

DIVERSIDADE NO COMÉRCIO

Francesco Maraccini chegara ao Brasil, por conta própria, um ano antes da proclamação da República, provavelmente a convite de parentes. No centro de São Roque, para onde viera diretamente ao deixar a Itália e fora recebido por um primo da família Sani, ele já desenvolvia outros ramos da atividade comercial, sendo proprietário de um açougue e uma torrefação de café. A esses se somaram os lucros obtidos com os negócios na vila Mayrink, em franco progresso com a expansão da ferrovia. A ascensão financeira que vislumbrara pouco tempo depois de sua chegada ao Brasil com o impulso dado ao comércio de São Roque, após a abertura da fábrica de tecidos, lhe permitira construir para sua família, entre os anos de 1895 e 1896, uma casa de dois andares no número 402 da rua Rui Barbosa, que destacava-se entre as ruas nobres do pequeno centro urbano da época.


Centenária casarão dos Maraccini, rua Rui Barbosa, 402
(Foto: Sílvia Mello)

Definido pelos netos como um homem dinâmico, determinado, inteligente, cuja dignidade se manifestava em suas atitudes nos negócios e no seu dia-a-dia com a família, Francesco, como parte do suposto perfil de todo italiano, era amante da música e das boas refeições. Na casa assobradada da Rui Barbosa, mais precisamente no terraço a céu aberto que construíra sobre o segundo piso da moradia da família, ele recebia os integrantes da Corporação Musical “Liberdade” para churrascos regados a vinho e música. Na recepção aos convidados, a carne era o prato principal, já que o açougue da família ocupava o térreo da residência. Noutras ocasiões, reunia amigos em alegres noitadas, que se seguiam às caçadas das quais participava, onde o vinho combinava com os deliciosos pratos que a Nona tinha que preparar.

Nona era como os netos chamavam Tereza Galli Rossi. Muito jovem, ainda na Itália, ela se casara com Francesco Maraccini, que acabara de completar dezoito anos. Ao que tudo indica, fora um casamento arranjado pelas famílias, fato comum na época. Francesco nasceu em 2 de dezembro de 1867, na pequena San Lorenzo a Vaccoli, um paese, como são chamadas as vilas auto-suficientes na Itália, que pertence à província de Lucca, na região da Toscana. Maraccini, seu sobrenome na Itália tinha como grafia correta Marraccini, com dois Rs, o que provavelmente foi alterado por acidente em sua documentação ao chegar ao Brasil. Filho único, Francesco tornou-se órfão ainda pequeno, perdeu ambos os pais com a diferença de dias. E tratar de seu casamento ainda jovem parecia uma boa oportunidade para os parentes responsáveis pelo menino.

Tereza estava grávida do primeiro filho do casal quando Francesco partiu para o Brasil em 1887. Cruzou o oceano sozinho, na verdade acompanhado apenas de um primo, que logo de se estabeleceu em São Paulo, no bairro do Ipiranga. Francesco viera para conhecer o país e, ao que parece, com recursos para iniciar algum negócio no Brasil, onde a imigração italiana era incentivada. São Roque era seu destino, onde já o esperavam os parentes da família Sani. Voltou à Itália no ano seguinte, quando seu primogênito já havia nascido e retornou com a família para o Brasil onde constatara que havia oportunidades de prosperar.

A CASA

Na Itália, ficou para trás a casa deixada por seus pais, plantada num terreno de 1500 metros quadrados, quando Francesco desembarcou definitivamente em terras brasileiras, acompanhado de Tereza, em cujos braços dormia o menino Leoni Gino, que seria conhecido como “Igino” em São Roque, onde nasceriam os outros filhos dos casal: Ólida, Viveta, Ricieri, Egisto e Éssio.

Lembrado pelos netos como um homem alegre e comunicativo, de estatura mediana, mas com olhos de um azul inesquecível, Francesco integrou-se facilmente à vida da cidade, onde a presença de outros italianos tornava o lugar familiar. Fez amigos entre os Barioni, Verani, Tagliassachi, Salvetti, Baroni... No Brasil, tornou-se maçom, registrado sob o número 12 da Loja “Labor”, em 1919. O emblema da maçonaria ele mandou afixar no alto da fachada de sua residência, no prédio que permanece com a família após mais de um século de sua construção, idêntica à casa em que vivia na Itália.

Aos seis filhos que teve com Tereza, juntaram-se vinte netos e trinta e um bisnetos. Amante do futebol, ele teve tempo de ver o talento de alguns de seus filhos com a bola em campo.
Francesco Maraccini faleceu aos 54 anos, em 17 de novembro de 1921. Em São Roque, encontrou o seu lugar e sua atuação na sociedade local colaborou para a integração da colônia italiana.

RAÍZES

Há poucos anos, o bisneto Elton Maraccini viajou para a Itália. Na bagagem, as certidões de nascimento e casamento de Nona Tereza iam em busca das origens. Na cidade ou comune de Lucca, ele se dirigiu à prefeitura, onde as informações o levaram ao lugar desejado, a pequena San Lorenzo a Vaccoli, há poucos minutos do centro. Na casa indicada, encontrou um assustado Enzo Marraccini, talvez um longínquo primo em sua árvore genealógica. A vizinha gaúcha fez o papel de intérprete e o bisneto pode vislumbrar o local de nascimento da família. A casa de Francesco, que lembra a centenária residência dos Maraccini na rua Rui Barbosa, em São Roque, ainda existe na Itália, onde figura uma paisagem que parece congelada no tempo, materializada em imagens de construções de mais de quinhentos anos.


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